As creches reabriram portas em todo o país, no dia 18 de maio, depois de um período de encerramento de cerca de dois meses, como forma de conter a propagação do novo coronavírus. O regresso tem sido gradual nas Misericórdias, à semelhança de outras instituições, para permitir a adaptação de todos os envolvidos, funcionários, famílias e crianças, mas a lotação continua aquém das expetativas, fazendo antever um cenário de incerteza e desequilíbrio financeiro nos equipamentos.

Patrícia Seromenho, provedora da Misericórdia de Albufeira e membro do Secretariado Nacional da UMP responsável pela área de infância, avalia este regresso com “algum receio, mas confiante no trabalho de cada um e de todos”.

Numa das sessões de formação dirigidas aos técnicos das respostas sociais de infância, promovidas pela UMP a 14 de maio, a responsável deixou uma mensagem de esperança a todas as congéneres, sugerindo a adaptação das normas aos recursos disponíveis. “O mais importante é salvaguardar a segurança de todos e transmitir mensagem de segurança aos pais. Não temos todos a mesma arquitetura e temos autonomia para adaptar à realidade de cada um. Vamos aproveitar estes 15 dias (período de transição) para testar o que é possível fazer”.

Depois da despistagem à Covid-19 aos funcionários, de reajustados os planos de contingência e higienizados os espaços, as Misericórdias reabriram os equipamentos com expetativa e alguma apreensão, dando cumprindo às medidas de segurança e recomendações da Direção Geral da Saúde.

A auscultação feita junto de pais e familiares fazia prever uma taxa de regresso baixa, mas a realidade ficou “aquém do expetável” nas Misericórdias contactadas pelo VM. Cerca de 10% na primeira semana, num universo que ronda as 1500 crianças, em Oeiras (Lisboa) e Maia (Porto).

Segundo o provedor da Misericórdia de Oeiras, Luís Almeida Bispo, a adesão reduzida nas primeiras duas semanas revela um “desconfinamento lento” das famílias que, apesar dos receios, têm “sido muito colaborantes e aceitam bem as novas regras, mantendo os distanciamentos na hora de entrega e recolha das crianças. Tem sido muito pacífico”.

O equipamento que esperava maior lotação recebeu cerca de 15 crianças e algumas creches funcionaram apenas com uma criança. Para a educação pré-escolar, que retoma em junho, são esperadas mais crianças, mas ainda não sabem “quantas mais”.

Em relação à utilização de máscaras no contacto com as crianças, que preocupava as equipas, o dirigente revela que a experiência não tem sido traumática para os mais novos. “A interação e reconhecimento continua a fazer-se pelas vozes e pelo olhar”.

Em todo este processo, as regras de distanciamento social e limitação de partilha de brinquedos suscitaram receios e dúvidas de educadores, pais e profissionais de saúde infantil. No concelho da Maia, as normas foram recebidas com surpresa por serem, na opinião da provedora Maria Rebelo Maia e equipa pedagógica, “desajustadas da realidade”. “Logo no primeiro dia, uma das crianças quis o colo da educadora e outras crianças vieram atrás. As crianças querem mimo e têm de o ter, não podemos ter salas despidas e não podemos amarrar os brinquedos a cada criança. Temos de ser realistas na adaptação das normas”.

Nas 13 creches desta Misericórdia, no distrito do Porto, o regresso foi também “muito lento”, com uma frequência média de 4/5 crianças por resposta social, que preocupa a direção da instituição. A juntar ao “corte radical nas mensalidades”, com os descontos praticados em março, abril e maio, registam desistências para o próximo ano letivo e o aumento das despesas com a aquisição de equipamentos de proteção individual e produtos de desinfeção.

A última atualização dos acordos de cooperação (3,5%), em 2019, ajudou a absorver o aumento do salário mínimo nacional, mas já foi, entretanto, “engolida”. Perante a atual conjuntura, a provedora considera que as “Misericórdias precisam de muito mais para colmatar a situação deficitária em que se encontram, enquanto instituições de bem, com responsabilidades perante colaboradores, famílias e fornecedores. Precisamos de apoio para continuar”, apela.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas

Fotografia: Santa Casa da Misericórdia de Albufeira