Manuel Caldas de Almeida, vogal da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) responsável pelo envelhecimento, em entrevista ao Voz das Misericórdias

Como podemos sensibilizar as Misericórdias para a importância de um trabalho estruturado para controlo de infeção?

Quando estamos a falar de prevenção e controlo de infeção, é preciso perceber que Portugal tem um problema grave de infeção hospitalar. Esse problema deriva da má utilização de antibióticos e da resistência natural das bactérias, o que quer dizer que hoje em dia há um risco claro de apanhar uma infeção por bactérias resistentes aos antibióticos nos hospitais. Como as Misericórdias recebem doentes dos hospitais, quer a nível dos cuidados continuados, quer a nível dos lares, e além disso recebem pessoas da comunidade que também podem ter infeções, há um risco grande de ter pessoas infetadas nas suas estruturas e, por isso, têm de saber como evitar a disseminação da infeção. Foi por isso que a UMP achou que era importante criar um serviço que prestasse apoio, formação e consultadoria às Misericórdias.

Quais são os principais benefícios desta atuação?

Os benefícios são ao nível da redução de custos. O serviço da UMP pode dar um aconselhamento para o que é, de facto, eficiente no controlo de infeção. Muitas vezes as Misericórdias, sem este aconselhamento e por precaução, acabam por tomar medidas desnecessárias e caras, como o isolamento ou a prescrição de antibiótico. Através da prevenção e do controlo de infeção é possível evitar despesas. Além de que, como? é evidente, estamos a prevenir doenças, sofrimento e morte. É preciso perceber que nos nossos utentes idosos a infeção representa um risco grave de doença e por vezes até de morte.

Embora as estimativas de mortes por infeção na Europa, em 2050, sejam assustadoras, nota que ainda há um grande desconhecimento nesta área, mesmo entre os profissionais de saúde?

Há um grande desconhecimento e é perigoso. O que aconteceu foi que as necessidades das doenças cresceram muito mais depressa do que a perceção que as pessoas têm disso. A expansão do conhecimento é mais lenta do que a realidade. Em relação às Misericórdias, existe uma variável geográfica que, de facto, condicionou o conhecimento nesta área. A seguir ao 25 de Abril, quando os hospitais foram nacionalizados, as Misericórdias do Sul deixaram de prestar cuidados de saúde e as do Norte desenvolveram atividade privada de saúde, mantiveram pessoal treinado. Muitas Misericórdias do Sul só voltaram a ter pessoal na área da saúde quando começaram os cuidados continuados.

Considera que ainda há um desfasamento entre a teoria, legislação em vigor e a realidade das unidades de cuidados continuados?

Há um desfasamento claro, por um lado, porque as nossas entidades oficiais têm uma grande facilidade em emitir diretivas e normas, sem se preocupar com a capacidade das unidades poderem dar resposta a essas normas. Isto causa obviamente enormes gastos financeiros e pouca eficácia porque nós precisamos de conseguir evitar um problema muito grave com o mínimo de custos e não estarmos preocupados com diretivas que são impossíveis de aplicar.

Qual pode ser o papel das Misericórdias no controlo de infeção na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados?

O papel é exatamente aquilo que temos estado a fazer. Temos uma coordenação competente, um manual atualizado com informação prática e também um profissional capacitado para, numa emergência, dar resposta às necessidades das Misericórdias.

Tem destacado que o controlo de infeção não é um problema exclusivo das unidades de saúde e hospitais. De que forma os lares de idosos e outras respostas sociais podem preparar-se para este desafio?

Em primeiro lugar, é preciso perceber que o problema da infeção é tanto mais grave quanto maior for a quantidade de pessoas juntas e em pessoas com imunodepressão. Há muitas doenças infeciosas que, se forem para casa, não são um problema porque lá as pessoas têm imunidade. Se pegar numa pessoa com uma destas infeções e a mandar para casa ela vai encontrar pessoas com resistência à infeção. Se a mandarmos para um lar de idosos ou para um hospital, onde estão mais 50 pessoas que além de próximas têm perdas de imunidade, há um risco muito maior de infeção. Eu diria que o risco nos lares, nas unidades de cuidados continuados e nos hospitais, neste momento, é quase igual. A diferença é que nos hospitais usamos técnicas e métodos mais invasivos, que abrem caminho à infeção. Para já, o Estado tem de perceber que os lares são obrigados, pelas necessidades das pessoas, a prestar alguns cuidados de saúde, mas uma infeção grave hospitalar tem de ser referenciada para um hospital. Os lares não têm competência para resolver. Devemos salientar que em casos de infeção grave os doentes não devem ficar em lares e também que, ao virem dos hospitais para os nossos lares, não podem estar com infeção ativa.

A criação de sinergias entre instituições e diferentes níveis de cuidados vai permitir dar resposta a este problema?

Há uma diretiva da Direção Geral de Saúde que diz que não se deve referenciar pessoas infetadas de umas unidades para as outras, para evitar a difusão da infeção. Isto é básico e fundamental e é uma guerra que temos vindo a vencer lentamente. Caso haja dúvidas, não podemos receber pessoas com infeção hospitalar nas nossas unidades. Além disso, internamente temos de começar pelas respostas mais simples que são os cuidados básicos. Para evitar grande parte das infeções, basta que haja cuidado com higienização das mãos, cuidados com a higiene básica de contacto com as outras pessoas e que sejam criados circuitos de segurança para os utentes infetados.

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Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas