Tratamentos de procriação medicamente assistida, apoio à gestação, parto e pediatria. Na clínica da Misericórdia de Espinho o acompanhamento aos pais começa antes da gravidez e estende-se aos primeiros anos de vida da criança

Todos os meses, a Clínica Obstétrica e Ginecológica da Misericórdia de Espinho (COGE) é procurada por dezenas de casais que não conseguem engravidar, depois de tratamentos sem sucesso noutros centros de procriação medicamente assistida (PMA) do país. A unidade de PMA da Misericórdia de Espinho é uma das 28 disponíveis a nível nacional e os profissionais orgulham-se do rigor científico e acompanhamento personalizado que todos os anos ajuda a concretizar o sonho de espinhenses e residentes de concelhos vizinhos.

Para Cláudia Santos e Paulo Fontes, 37 e 38 anos, a notícia que tanto aguardavam chegou no Natal de 2018, cinco meses após a primeira consulta na COGE. Teste de gravidez positivo, depois de muitos exames, injeções de hormonas e horas sem fim a aguardar resultados. Com um historial de cinco tratamentos sem sucesso em duas unidades da região, ao longo de quase cinco anos, valeu-lhes a determinação, serenidade e apoio da família, a que se juntou ainda a flexibilidade de horários da entidade laboral e da própria clínica.

Tudo começa na consulta do especialista em fertilidade. São prescritos exames, avaliado o historial clínico e definida a técnica de PMA mais adequada. Segue-se a fase de estimulação hormonal, que dura em média 15 dias, e a fecundação dos óvulos em laboratório.

Na área reservada das embriologistas, tudo é controlado ao pormenor: temperatura, luminosidade e duração dos procedimentos. O laboratório está a 37 graus centígrados, com iluminação reduzida e a entrada é controlada por código. Entramos acompanhados da bióloga Helena Figueiredo, munidos de bata, botas, barrete e máscara, para ver cinco embriões fecundados que estão acondicionados numa estufa a 37 graus. “No sábado [dois dias antes] foi a punção e juntaram-se os gâmetas [femininos e masculinos]. Ao fim de 30 horas começa a primeira divisão e passado 44/48 horas deverá ter 4 células. Por isso, se todos tiverem quatro, está ótimo”, explica enquanto observa os embriões no microscópio. A transferência para o útero ocorrerá três a cinco dias após a fecundação.

Segue-se um período de espera “interminável”, como nos conta Cláudia. O teste de gravidez foi positivo no dia 25 de dezembro de 2018, cerca de 15 dias depois da transferência. Costuma dizer que o número sete lhes deu sorte: sete tratamentos, sete ovócitos (recolhidos através de punção folicular, na sequência da estimulação hormonal) e sete profissionais na equipa que os acompanhou ao longo dos tratamentos e gravidez. Uma “feliz coincidência” recordada pela obstetra, Eduarda Felgueira, num intervalo entre consultas. 

Hoje é dia de consulta para a mãe e dia de pesagem para o pequeno Frederico, com apenas seis semanas de vida. Cláudia despe-o com todos os cuidados antes de o colocar na balança, mas em poucos minutos está de volta ao aconchego do colo materno. Engordou meio quilo, anuncia a enfermeira. “Quase o dobro do que era necessário”, revelam satisfeitos.

Seguem para a consulta em poucos instantes. A dimensão e organização da COGE tornam a experiência mais íntima e acolhedora. Quase todos se conhecem e saúdam nos corredores. O casal de Santa Maria da Feira aprecia a “personalização e rigor dos cuidados” que caracteriza todo o processo, desde a primeira consulta à gestação, parto e recuperação. Por isso, decidiu manter a ligação à clínica, após o nascimento de Frederico, com as consultas de pediatria.

Essa é um dos aspetos diferenciadores apontado pela diretora clínica Manuela Vieira. “A criança pode ser apoiada em diferentes áreas, ao longo do seu crescimento. Tentamos fechar um ciclo. A pediatria é um grupo muito forte [12 especialistas no corpo clínico] e as restantes especialidades [pedopsiquiatria, cirurgia pediátrica, terapia da fala etc.] estão direcionadas para a pediatria, um colega de otorrino sabe à partida que vai ter crianças na consulta”.

A COGE nasceu num período em que as conservatórias não registavam bebés de Espinho e a maternidade mais próxima se localizava a mais de vinte quilómetros. Até novembro de 1999, os jovens casais deslocavam-se a Santa Maria da Feira para ter os seus filhos, que se tornavam naturais do concelho vizinho. O provedor de Espinho, Pedro Gonçalves de Sousa, lembra que a COGE foi uma “resposta quase direta ao encerramento da maternidade do hospital de Espinho, por decisão do provedor Amadeu Morais e do obstetra Serafim Gomes, tendo sido durante muito tempo a unidade mais bem equipada e com melhor resposta para o nascimento na região”.

Mantendo-se fiel à sua vocação original – cuidados de saúde materno-infantis – a clínica da Misericórdia diversificou, entretanto, os serviços prestados, a um leque de 21 especialidades, onde a pediatria (12 médicos) e ginecologia-obstetrícia (14) representam 39% do corpo clínico.

Eduarda Felgueira integra o grupo de 14 ginecologistas da COGE, desde 2000, enquanto especialista na área da infertilidade e medicina da reprodução. Contacta quase todos os dias com pessoas que não conseguem engravidar e assume a “dura tarefa” de adequar as expetativas do casal às probabilidades de sucesso das técnicas.

Entre o diagnóstico, tratamento em laboratório e gravidez distam, por vezes, meses ou anos de intervalo. “Um processo doloroso, que obriga a lidar com a frustração dos casais e fracasso da técnica. Temos de justificar o que às vezes não é justificável porque nesta área, apesar da evolução da ciência, as coisas não são matemáticas”.

Apesar das limitações da ciência, há dias de festa para a equipa da PMA. O nascimento de Frederico foi um deles. “É muito gratificante quando chegam aqui com os bebés. Estes casos orgulham-nos, são a nossa recompensa”, conta depois de receber a família no consultório.

Para Cláudia e Paulo, o dia em que conheceram o Frederico foi um dos mais felizes nas suas vidas. Esqueceram de imediato as seringas [da estimulação hormonal], os resultados negativos e o “processo de superação diária em que deram corpo ao manifesto”. De tal maneira, que não descartam a possibilidade de voltar a tentar, para dar um irmão ao jovem membro da família. “É uma sensação indescritível… Vai ser um natal muito feliz!”, confessa a recém-mamã.

 

39%

A COGE conta com 14 ginecologistas-obstetras e 12 pediatras na equipa, que representa 39% do corpo clínico. O enfoque na maternidade e neonatologia é um aspeto diferenciador igualmente presente na equipa de enfermagem, que presta apoio no pós-parto ao nível da amamentação, higiene e sono do bebé. Estão ainda disponíveis serviços complementares como aulas de preparação para o parto e consultas de nutrição e psicologia para a grávida.

28

A unidade de procriação medicamente assistida (PMA) da Santa Casa da Misericórdia de Espinho é uma das 28 autorizadas a ministrar técnicas de PMA em Portugal, das quais 10 são públicas e 18 privadas. Cada casal pode aceder a três tratamentos comparticipados através do SNS, mediante lista de espera. Nos centros privados o custo de cada ciclo ronda, em média, quatro a cinco mil euros.

Idade é o que mais condiciona a fertilidade

A idade é um dos fatores que condiciona mais a fertilidade, segundo a equipa de Procriação Medicamente Assistida da COGE. Em geral, mulheres até aos 35 e homens até aos 40 anos têm uma maior probabilidade de engravidar, sendo que até aos 35 a probabilidade através de técnicas de PMA pode ultrapassar os 40%. A partir dessa idade, a taxa de sucesso diminui, rondando os 20% aos 40 anos e os 5% aos 44 anos.

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Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas