Este artigo de opinião do provedor da Misericórdia de Oeiras, Luís Bispo, integra o destaque da edição de setembro do Voz das Misericórdias sobre o pré-escolar. Leia aqui a peça principal e os outros artigos sobre pré-escolar no distrito de Bragança e Setúbal, assim como o artigo de opinião do provedor da Misericórdia de Sabugal.
Senão vejamos! Nos anos 90, muitas foram as instituições da rede solidária que ficaram a gerir equipamentos de educação de primeira infância quando algumas câmaras municipais e juntas de freguesia deixaram de o poder fazer.
Há cerca de 10/15 anos, sem aferir e esgotar as disponibilidades na rede solidária, a administração local e central começou a abrir novas salas de pré-escolar e CATL associadas aos equipamentos de primeiro ciclo, aumentando a concorrência e as nossas dificuldades.
Daí para cá os desafios foram sendo diversos. Desde logo a questão do financiamento e a dificuldade que o Governo demonstrou, até há cerca de um ano, em acompanhar aquilo que é o custo real da resposta social, obrigando as instituições a uma gestão muito apertada para manter equilibradas as suas contas.
Não sendo consensual, pois, como todos sabemos, as realidades de cada instituição são muito diferentes em função da sua área geográfica e de intervenção, parece-me que para a maioria das Misericórdias o programa 'Creche Feliz’, embora com um início de implementação confuso, acabou por aproximar o valor da comparticipação do custo real da resposta, conseguindo assim um maior equilíbrio das contas.
Mas, se por um lado, este novo programa veio melhorar a operação em creche, acaba por agravar nas instituições um problema com a passagem destas crianças para o pré-escolar. As famílias, após quase três anos sem custos absolutamente nenhuns com a creche, voltaram a ser confrontadas com a necessidade de pagamento de uma mensalidade que é calculada de acordo com os rendimentos familiares.
Esta nova circunstância empurra as famílias para a procura das vagas gratuitas oferecidas pela rede pública (onde ela exista), deixando mais uma vez as instituições a braços com um problema de saída de utentes, aumentando muito a dificuldade em admitir novos em número suficiente para preencher todas as vagas dos acordos.
Para muitos encarregados de educação pouco peso tem a mudança completa de escola, amigos e educadores, desde que a gratuitidade possa ser mantida. Pouco importa que a janela de funcionamento da instituição passe das 7h30 às 19h30, no caso das IPSS, para um horário bem mais reduzido, das 8h30 às 15h30 na rede pública, em que o prolongamento para além deste horário e a alimentação terão custos.
Com a contínua instalação de salas de pré-escolar na rede pública, o Estado cria-nos mais uma dificuldade a somar às já referidas. Aumenta a sua necessidade de contratação de novos profissionais, oferecendo melhores condições remuneratórias, menor carga horária e interrupções letivas, condições impossíveis de acompanhar pelo setor social. Por essa razão começam a fechar salas um pouco por todo o país devido à falta de educadores, que são em alguns casos substituídos por outros técnicos numa tentativa desesperada para não encerrar as respostas.
É, pois, urgente alargar a gratuitidade do pré-escolar à rede solidária, com valores que se aproximem realmente do custo da resposta, dando a hipótese aos pais de manterem as crianças na mesma instituição até à entrada no primeiro ciclo e às instituições os meios financeiros para poder dar aos seus profissionais as exatas condições dos colegas da rede pública, evitando assim que todos os anos centenas concorram constrangidos por deixar instituições de princípios e valores com os quais muito se identificam, onde cresceram e ajudaram a crescer.
Luís Bispo, Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Oeiras