Até há poucas semanas Maria Albertina nunca tinha mexido num tablet. Agora, tem neste "brinquedo" um bom companheiro. Já faz videochamadas para o filho, “uma ou dias vezes por dia”, ouve música e assiste à transmissão da missa e da recitação do terço a partir do Santuário de Fátima. Só os jogos é que ainda não a convenceram.

Maria Albertina, com 79 anos, faz parte do grupo de 30 utentes do serviço de apoio domiciliário da Misericórdia do Bombarral abrangidos pelo ‘REDE’S: Ligar Gerações’, um projeto que tem como principal objetivo combater o isolamento e a exclusão social e digital dos beneficiários.

Em fase de arranque, o projeto pretende ainda promover a intergeracionalidade, juntando, através das novas tecnologias, idosos e jovens. Susana Andrade, diretora técnica do apoio domiciliário, explica que entre as iniciativas previstas está o "apadrinhamento" dos utentes por parte de alunos do Agrupamento de Escolas Fernão Pó.

A ideia é que, pelo menos uma vez por semana, cada jovem contacte o 'seu' idoso, através de videochamada. Será, diz a técnica, “uma forma de estimular a interação entre gerações, estimulando a troca de aprendizagens e de conhecimentos". Esta parte do projeto ainda não avançou, mas, segundo Susana Andrade, os jovens manifestaram "grande interesse" em participar. De tal forma, que há mais inscritos do que utentes, pelo que alguns idosos terão "mais do um 'adotante'".

Além dos alunos, os utentes receberão contactos regulares da equipa técnica associada ao projeto, onde se inclui animadora social, fisioterapeuta, psicóloga, médico e enfermeiro, para o desenvolvimento de atividades de estimulação cognitiva, físicas e de acompanhamento de “proximidade".  A GNR do Bombarral irá também associar-se, com ligações regulares aos idosos e facilitando o contacto de emergência.

Enquanto esta componente do projeto não avança, os utentes vão descobrindo as potencialidades do "brinquedo", como lhe chama a filha de Amélia Jordão, durante a videochamada que a mãe lhe fez. “Agora carrego aqui outra vez, não é?”, pergunta a utente, de 81 anos, ao mesmo tempo que procura o contacto da neta. “Tenho família em Lisboa e nos EUA. Assim, sinto-me mais próxima deles”, conta, referindo “não ter muito vagar” para “fazer outras coisas” com o tablet.

A viver sozinha, Ana Silva, com 76 anos, não poupa nos elogios ao projeto. "Estou a adorar. É uma belíssima ideia. Sentimo-nos mais acompanhados", diz, assumindo que é fã dos filmes e das músicas disponibilizadas pelo tablet. “Até parece que nos perguntaram do que gostamos. As escolhas foram à nossa medida. Já vi o 'Jesus Cristo Superstar' e uma revisa com o João Baião. Serviu para matar saudades dos tempos em que ia a Lisboa ao cinema e ao teatro”, revela a utente.

A par dos contactos com a família, os jogos são outra das funcionalidades que Ana Silva tem utilizado. E é aqui que surge o único reparo que faz ao sistema. “Devia indicar-nos quanto tempo demoramos a terminar um jogo. Dava uma motivação extra”, alega. Susana Andrade toma nota da sugestão e aproveita a ligação para perguntar se a utente precisa de alguma coisa. “Para já, não”, ouve-se do outro lado, recebendo em troca a promessa de um novo contacto em breve.

Para técnica, uma das grandes mais-valias do projeto, financiando através do Prémio BPI Fundação La Caixa, é o acompanhamento de “proximidade” aos utentes, num concelho disperso, com localidades isoladas e população envelhecida. “Se antes da pandemia já se fazia sentir esta necessidade, com a Covid-19 tudo se agravou”, constata.

Susana Andrade destaca ainda o combate à exclusão digital, com o projeto a contribuir para “reduzir a distância entre os idosos e as novas tecnologias”. E nem mesmo as dificuldades de cobertura de rede que se fazem sentir em alguns pontos do concelho fazem esmorecer este propósito. Nestes casos, vale o apoio da comunidade, como aconteceu com Maria Albertina. “Uma vizinha tem wireless e partilha.”

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva