Segundo números da Carta Social, divulgados recentemente pelo governo, as respostas de apoio aos idosos cresceram mais de 50% entre 2000 e 2016, em particular o SAD (73%). Este aumento denota uma aposta em serviços que privilegiam a manutenção dos idosos em casa?
Há essa intenção, mas não há uma estratégia concreta. Para manter os idosos em casa temos de responder às necessidades socias e de saúde. Não é possível dissociar essas duas vertentes porque as pessoas têm várias doenças crónicas, têm necessidade de apoio nas atividades de vida diária, de controlo de saúde e de cuidados etc. Temos a obrigação de desenvolver o apoio domiciliário e obviamente que fazê-lo sem ter a saúde e o social juntos é uma utopia porque não se vai fazer aquilo que as pessoas precisam.

A UMP tem trabalhado nesta área?
Achámos que era importante fazer este trabalho conjunto, e a proposta que fizemos ao governo é muito concreta. Nalgumas localidades, onde não haja resposta por parte do Estado, podemos assegurar um serviço global nas áreas social, de saúde e de internamento, se necessário. Estamos disponíveis para isso. Em locais onde o centro de saúde já tenha uma resposta efetiva, propomos um plano de cuidados conjunto com as duas equipas, a nossa e a do centro de saúde. 

Esse modelo proposto assenta em que fundamentos?
É uma coisa relativamente simples.  Existe um formulário onde as duas equipas preenchem os problemas que cada pessoa tem. Pode ser insuficiência cardíaca, dificuldades respiratórias, não conseguir fazer o almoço, precisar de ajuda para tratar da roupa, etc. Não interessa se as questões são de saúde ou sociais. O objetivo é identificar os problemas, definir prioridades e distribuir tarefas sinergicamente para que determinada pessoa possa ter para estar na sua própria casa durante o maior tempo possível.

Há alguma experiência nestes moldes a funcionar?
Não, mas já temos uma lista de Misericórdias definida, com quem já falámos, e que propusemos aos ministros. Agora é aguardar a disponibilidade do Estado para poder fazer essas experiências-piloto que vão decorrer em várias zonas do país.

Nesse contexto, qual é o papel das novas tecnologias?
Hoje em dia temos tecnologia que permite monitorizar diversos aspetos da vida das pessoas que vão da segurança das habitações aos sinais vitais de saúde. Há aplicações com planos de exercício e de mobilidade que podem ser controlados à distância. A ideia é, dentro desse tal plano conjunto, incluir a utilização de tecnologia para apoiar o trabalho das equipas.

Há disponibilidade do Estado para essa experiência piloto?
Estamos a disponibilizar um plano de cuidados que não lhes custa um tostão e as pessoas vão-se sentir muito melhor. Este é um produto bom para as pessoas. Além disso, neste momento, há uma parte considerável dos concelhos que não tem apoio domiciliário de saúde. Era importante que o Ministério da Saúde reconhecesse que há determinadas áreas do país onde não consegue dar cobertura de SAD de saúde.

Quais são os principais obstáculos para implementação deste modelo articulado?
Os obstáculos são sobretudo de natureza cultural, tanto nos centros de saúde como nas Misericórdias. Os portugueses são muito territoriais e quando se põem diferentes equipas a trabalhar em conjunto, por melhores que sejam as intenções, há sempre resistências. Mas os profissionais estão empenhados em ultrapassar esse problema. Ninguém pode prestar cuidados sozinho. 

As Misericórdias estão mobilizadas?
As Misericórdias estão muito interessadas nisto porque sabem que as pessoas precisam disto. Quando se iniciaram os cuidados continuados as Misericórdias aderiram imediatamente porque perceberam que era uma resposta necessária para as comunidades.

O presidente da UMP tem dito muitas vezes que o país não pode ser transformado num enorme lar de idosos. Quer comentar?
Nem as pessoas querem isso. Há uns anos muitas pessoas iam para os lares em boas condições físicas. Hoje só pessoas com muita perda funcional e social querem ir para os lares. Até há pouco tempo, falava-se muito em ganhos funcionais para os idosos. Atualmente, para além dos ganhos funcionais, fala-se em qualidade de vida, estar com os amigos, jantar fora, ir ao cinema, independentemente de precisar de uma cadeira de rodas ou não. Todo este esforço de envelhecimento ativo e funcionalidade tem como objetivo a qualidade de vida. É um instrumento para dar qualidade de vida às pessoas, amigos, atividades lúdicas, etc.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas