Tendo em conta os números, não é de estranhar que as mulheres estejam em maioria nas estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI), como atesta um levantamento, feito a título ilustrativo, pelo VM junto das Misericórdias do distrito de Leiria. Os dados indicam que, dos 990 utentes acolhidos nas ERPI destas instituições, 673 são mulheres, na maior parte dos casos viúvas e acima dos 80 anos.
Embora a prevalência do sexo feminino entre os utentes destas estruturas não seja uma novidade - "sempre foi assim", assinalam os representantes das instituições ouvidos pelo VM -, esta é uma realidade que traz desafios não só ao nível das rotinas diárias, mas também das atividades a desenvolver.
Maior sensibilidade nos cuidados
"O nível do serviço que prestamos a homens e mulheres é igual, mas há diferença na forma como o fazemos", assume Maria João Severiano, diretora técnica da Misericórdia de Óbidos, cuja ERPI tem 53 utentes, dos quais 39 são mulheres. Segundo a responsável, uma das diferenças prende-se com as rotinas diárias, já que as mulheres requerem "um modo de cuidar com mais sensibilidade" e atento a aspetos que os homens não valorizam tanto. "Elas gostam de estar bonitas e arranjadas, fatores que contribuem para a sua autoestima e aos quais temos de ser sensíveis. Com eles é tudo mais simples", refere a técnica, que iniciou a sua relação com a instituição como estagiária, em 2008.
Então, tal como agora, as mulheres estavam em maioria, mas o perfil mudou, observa Maria João Severiano, referindo que, há 26 anos, muitas das utentes eram "analfabetas", com uma vida de trabalho ligada ao campo e/ou à lida da casa. Hoje, "a realidade é diferente e isso reflete-se no nível de exigência e nas atividades que propomos", alega a diretora técnica da Misericórdia de Óbidos, que reconhece que essa adequação ao perfil dos utentes exige mais das equipas.
O mesmo admite Filomena Valente, provedora da Misericórdia de Ansião, que chama a atenção para uma outra dificuldade - "talvez a maior" - que se prende com a alterações no perfil das pessoas, nomeadamente das mulheres, que hoje chegam aos lares com menor grau de autonomia.
"Antes, quando entravam, algumas participavam nas atividades do lar. Ajudavam na cozinha ou até com a roupa e na costura. Era uma forma de não sentirem tanto a rutura entre a vida ativa e a institucionalização", aponta aquela dirigente, frisando que hoje o grau de dependência dos utentes é "muito maior", acabando por condicionar as atividades a desenvolver.
Este é um aspeto também realçado por Cláudia Francisco, diretora técnica da Misericórdia de Alvaiázere, cuja ERPI tem 40 mulheres e 13 homens. "Sempre tivemos mais senhoras, mas, nos últimos anos, a diferença tem vindo a aumentar", aponta a técnica, frisando a maior prevalência de mulheres em todas as valências e também nas listas de espera.
Segundo Cláudia Francisco, a maioria das utentes é viúva e chega à instituição "muito mais dependente, em termos físicos e cognitivos, do que acontecia no passado, circunstância que restringe o tipo de atividades. Face ao perfil atual dos utentes, hoje não seria possível montar uma peça de teatro ou a ter alguém da ERPI a tomar conta do jardim como chegou a acontecer, exemplifica a técnica.
Mulheres mais participativas
Com as atividades no exterior limitadas, devido à debilidade dos utentes - "muitos estão em cadeira de rodas, o que exige um recurso humano para cada um", alega Cláudia Francisco -, a opção passa, na maior parte das vezes, por restringir as iniciativas ao espaço interior. E, também aqui, há diferenças a assinalar entre os utentes: elas são "mais participativas do que eles", apontam as várias pessoas ouvidas pelo VM.
"Os homens não são tão recetivos às atividades propostas. Elas, mesmo com alguma limitação física ou nível de demência, aderem mais", assinala Cláudia Lino, que assume a direção técnica do Lar dos Outeirinhos, uma das duas ERPI da Misericórdia da Marinha Grande, onde o número de mulheres é o dobro do dos homens (44 utentes do sexo feminino e 22 do masculino).
Também Elisabete Nogueira, diretora técnica da Misericórdia de Aljubarrota, atesta que as atividades propostas têm uma maior adesão das mulheres, não obstante a preocupação da equipa de propor desafios que possam agradar a ambos os sexos. "Temos esse cuidado, mas elas são mais participativas", reforça a técnica, que aponta um outro desafio resultante da maior prevalência de mulheres, relacionado com a gestão da lista de espera.
"Se há uma vaga num quarto duplo onde já está uma mulher, os homens acabam por ser preteridos. É uma questão prática", sustenta Elisabete Nogueira, para quem ter mais mulheres do que homens é uma questão menor face à "enormidade" do desafio que as instituições têm pela frente, com os utentes a chegarem cada vez mais dependentes. "O grande desafio é saber como responder a uma realidade que, não sendo nova, se está a agudizar."
Maria Anabela Silva, Voz das Misericórdias
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