Sempre que o tempo permite, os utentes dos lares da Misericórdia Obra da Figueira percorrem, em tuk-tuk, as ruas da cidade

O sol destaca-se no céu azul da manhã de maio. O trinado ou chilreio dos pássaros junto do Lar Silva Soares, uma das duas estruturas residenciais para pessoas idosas da Misericórdia Obra da Figueira (MOF), reforça o simbolismo da comemoração do Dia Mundial das Abelhas. O ambiente convida a mais um passeio em tuk-tuk, na Figueira da Foz, aproveitando a atual fase de desconfinamento e a redescoberta primaveril. Os dois amigos de infância Luís Cação e Jorge Nelas, utentes da instituição, querem rever algumas das artérias e zonas da cidade que os viu nascer há oito décadas. Importa, pois, esquecer a pandemia da Covid-19 e retomar os afetos que lhes preenchem as vidas.

Os passeios em tuk-tuk – um pequeno veículo de três lugares – constituem uma aposta da Misericórdia Obra da Figueira, desde 2019, quando ainda não se sabia do novo coronavírus. Trata-se de um projeto de lazer que visa contribuir para o bem-estar e para a qualidade de vida dos residentes nos dois lares locais.

Enquanto aguardamos que a animadora Sara Romão traga o tuk-tuk até à entrada do Lar Silva Soares, a secretária-geral da MOF vai-nos dando conta das valências e respostas sociais desta Santa Casa, incluindo um lar de raparigas, a creche e o jardim de infância. E, ainda, da utilização de uma grua com plataforma elevatória para que, em época de confinamento, os familiares pudessem falar com os idosos, observando uma distância de segurança, junto das varandas dessas duas estruturas residenciais, com cerca de 150 utentes.

“No ano passado, foi mais complicado”, refere Fátima Oliveira, aludindo aos cuidados redobrados por causa da Covid-19 e à interrupção deste projeto de animação e de lazer para os utentes mais velhos, considerando o rigor do confinamento na instituição que, agora, abre portas e volta a proporcionar atividades que alegram as pessoas.

“A ideia surgiu há cerca de quatro anos, quando vimos uma fotografia de um tuk-tuk de seis lugares. Quisemos comprá-lo para oferecermos passeios aos utentes dos lares, alguns deles com mobilidade reduzida. Porém, por problemas alfandegários e devido ao prolongamento da espera, optámos por um veículo mais pequeno”, explica a secretária-geral da MOF, satisfeita com o recomeço desta iniciativa, em finais de março.

Assim, de manhã e à tarde, os residentes nos lares Silva Soares e de Santo António têm oportunidade de, rotativamente, efetuarem um passeio, no pequeno (mas confortável) tuk-tuk azul e branco, percorrendo alguns locais da cidade que antes frequentavam e onde ainda encontram várias referências da sua vida, além de poderem apreciar o panorama da avenida marginal, entre os Paços do Município e o Cabo Mondego.

Como salienta a animadora a quem cabe, durante aproximadamente uma hora, a condução do tuk-tuk nesta viagem matinal, “eles gostam de rever as varandas e a entrada do seu prédio, mas também a Rua da República e o comércio, bem como a marina de recreio com as embarcações”. “Outras vezes, levo-os até Buarcos, próximo da praia da Tamargueira e do restaurante [e hotel] Teimoso, passando pelas muralhas da antiga fortaleza”, diz Sara Romão.

Luís Cação, de 82 anos, repete o passeio de há três semanas, quando gostou de andar na marginal e de revisitar a estação ferroviária. Foi gerente da Empresa Figueirense de Pesca e também transformou uma antiga oficina, que era do seu pai, de modo a produzir artesanalmente carros com carroçaria em fibra de vidro, inspirados em modelos britânicos, alemães e italianos. Hoje, já não se ocupa da manutenção dos navios nem se dedica à mecânica automóvel. Lê, sempre que possível, vê televisão e dorme, como declara gracejando.

O seu colega de passeio e de residência é Jorge Nelas, um ano mais novo e antigo condiscípulo na escola primária. Reformado da atividade bancária, experimenta pela primeira vez o tuk-tuk. A pequena viagem, para si, é uma incógnita, apesar de a concretizar na terra onde nasceu e sempre viveu. Acompanhando o chilrear dos pássaros, Sara Romão observa: “Esta viagem tanto pode ser previsível como imprevisível, desde que seja do agrado deles”. “Cá vamos, Luís”, expressa Jorge Nelas.

Voz das Misericórdias, Vitalino José Santos