Algumas das ruas alvas de Mértola, no distrito de Beja, estiveram com novas cores durante os dias frios de dezembro. Tudo porque centenas de ‘napperons’ foram colocados nas paredes na zona envolvente da igreja matriz, onde se encontrava também um presépio elaborado com as tradicionais mantas alentejanas, num projeto da Misericórdia de Mértola que pretendeu, por um lado, recuperar o hábito antigo de tricotar rendas e, por outro lado, embelezar a chamada “vila museu” nesta época natalícia.

O evento “rendARTE – Dá cor ao Natal” esteve patente até ao dia 6 de janeiro de 2022, sendo fruto do trabalho desenvolvido por idosos de 34 localidades deste concelho do interior alentejano que são beneficiários da Ludoteca Itinerante da Santa Casa.

“Em setembro, as animadoras do projeto lançaram um desafio aos idosos, que consistia no reaproveitamento dos restos de linhas, lãs e tecidos de algodão para elaborar ‘napperons’ em renda e que em dezembro seriam utilizados para decorar e embelezar uma rua da vila de Mértola”, conta Emília Colaço, coordenadora da Ludoteca Itinerante.

Segundo esta responsável, perante este desafio os idosos “foram transformando as linhas em ‘napperons’ e, posteriormente, costuraram os mesmos em arcos de arame forrados com trapilho”.

Ao saber dos mais velhos juntou-se depois à vontade e irreverência das crianças que frequentam a Oficina da Criança da Santa Casa e a catequese da Paróquia de Mértola, que acabaram por colaborar na elaboração dos ‘napperons’ e dos rostos das figuras do presépio.

“O entusiasmo e a adesão superaram as nossas expectativas e rapidamente esta ideia tornou-se numa atividade comunitária e intergeracional”, nota Emília Colaço com satisfação.

Para a coordenadora da Ludoteca Itinerante, esta exposição permite, “além do reaproveitamento de materiais”, a valorização dos “conhecimentos dos nossos idosos”, a par da recuperação de “práticas e tradições ancestrais, ligadas às linhas e mantas tradicionais”.

“Estas rendas são uma montra dos nossos saberes e tradições. Que podem e devem ser passadas às novas gerações, recriando este saber tradicional com um toque de inovação”, diz Emília Colaço, acrescentando que todas as peças, “feitas à mão com muito carinho”, acabam por ter “um estilo e personalidade que caracteriza cada participante”.

“As lembranças revividas, o entusiasmo e o brilho no olhar de cada participante deram alma, cor, união, partilha, alegria e muito amor a este trabalho, que caracteriza tão bem esta época do Natal”, reforça.

Entre as “artesãs” esteve Maria d’Encarnação, 79 anos, residente na pequena aldeia de São Pedro de Solis. “Gostei muito de participar naqueles trabalhos que estão expostos em Mértola. São trabalhos muito bem-feitos e muito bonitos. Parabéns a quem trabalhou para que aquilo fosse realizado, está tudo muito bonito”, revela.

Maria Vitória, de 70 anos, também participou no projeto, ideia que classifica de “muito bonita”. “Esta exposição representa o artesanato e a cultura das pessoas e é uma ideia a continuar”, acrescenta esta habitante no Monte da Carocha, considerando que todo o projeto acaba por ser “uma forma de passar o testemunho às gerações vindouras”.

Financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian, a Ludoteca Itinerante é um projeto da Misericórdia de Mértola com quase uma década de existência que, na opinião da sua coordenadora, tem a mais-valia de “combater o isolamento da população idosa” em meio rural, fazendo chegar “serviços e atividades a 64 localidades do concelho de Mértola”.

“A nossa preocupação é tentar procurar abranger o maior número de pessoas, com destaque para os mais isolados, percorrendo as localidades mais afastadas e isoladas do concelho, com diversas atividades, desde o atendimento personalizado, cedência de livros e audiovisuais, e atividades ocupacionais e lúdicas”, diz Emília Colaço.

Nesse sentido, continua, a equipa da Ludoteca Itinerante “percorre diariamente as aldeias do concelho” de Mértola, “levando propostas de várias atividades que pretendem contribuir para a redução dos sentimentos de solidão e isolamento social, promovendo sentimentos positivos como a confiança, a tranquilidade, a esperança e a solidariedade”.

Segundo esta responsável, o trabalho da Ludoteca Itinerante “também chega aos utentes do apoio domiciliário” da Santa Casa. “Tentamos levar atividades diferenciadas e adaptadas a todos. Apesar de tudo, estamos cá a fazer a sentir à pessoa que está em casa, que quer individualmente ou em pequenos grupos, podem contar connosco e com a Ludoteca”, conclui Emília Colaço.

Voz das Misericórdias, Carlos Pinto