Utentes da unidade de cuidados continuados da Santa Casa da Misericórdia de Montalegre descobrem a biblioterapia

A cura não vem no índice, mas as personagens e os enredos que moram nos livros trazem uma nova interpretação aos dias vividos na unidade de cuidados continuados (UCC) da Misericórdia de Montalegre. São momentos que cruzam leituras e vivências, numa simbiose de memórias e emoções.

“As nossas animadoras, tendo conhecimento do trabalho profícuo que a Biblioteca Municipal leva a outras valências no concelho, lançaram o desafio de trazer esta ‘biblioterapia’ aos nossos utentes que, em boa-hora, receberam este projeto que promove a partilha, a literacia e os afetos”, refere o diretor técnico Jorge Fidalgo.

Desde o início do ano que a Misericórdia de Montalegre aposta nesta iniciativa que leva as letras até aos utentes da UCC. “Há relatos de médicos que utilizavam passagens da Bíblia para ajudar à cura. Aqui, a biblioterapia tem como objetivo a estimulação cognitiva, procurando fazer reviver, estimulando o exercício de capacidades intelectuais, promovendo a socialização, o diálogo, a sobrevalorização da oralidade, a partilha de experiências, o exercício da leitura, da atividade intelectual e da expressão oral”, reitera.

Além de melhorar a qualidade de vida dos utentes, “libertando-os do stress da recuperação”, procura-se democratizar o acesso à leitura. “Muito mais do que a questão intelectual, a biblioterapia deixa as pessoas predispostas. Vemos que elas estão sedentas de atenção, de ter alguém que interaja com elas”, sustenta Gorete Afonso, responsável pelos Serviços da Biblioteca Municipal de Montalegre.

Durante hora e meia, procura-se conciliar gostos, aprendizagens e capacidades, tendo como nota dominante as tradições do Barroso ou os autores da região. A 13 de fevereiro, a sessão foi dedicada ao Dia de S. Valentim e ao mês de nascimento do escritor Bento da Cruz, que “perpetuou nos livros uma identidade cultural que define o que é ser barrosão, o que foi o passado desta terra e das suas gentes”. 

As palavras saltam das monografias, dos contos e dos poemas pela voz de Gorete Afonso, que sublinha que estão a ser dados “os primeiros passos” na biblioterapia institucional. “Este tipo de biblioterapia usa a literatura didática e é uma prática que fazemos em grupo. Procuramos sempre fazer um enquadramento local, que é uma forma de acolher as pessoas de fora do concelho, além de avivar memórias e criar um estado emocional que ajude à recuperação”, esclarece. 

Folheando as “Histórias da Vermelhinha”, Gorete vai cativando e envolvendo quem a escuta. “Depois, abre-se um espaço de diálogo para que possam apropriar-se da história e partilhar as suas próprias experiências”, conta. 

Em média, participam entre 10 a 14 utentes, entre os 26 e os 93 anos. A maioria aceita “com bastante agrado a intervenção”. “É um convívio, uma partilha e uma interação com outras pessoas que não os técnicos com quem estão diariamente, acabando por ser uma ‘lufada de ar fresco’ que os motiva a participar e a criar laços de companheirismo com os restantes utentes”, acrescenta o diretor técnico.

Para já, as reações atestam que o balanço da iniciativa é positivo. “Após as atividades, a energia dos utentes é diferente, mais positiva, mais confiante para enfrentar os seus diagnósticos, as suas terapias e, por momentos, esquecerem mesmo o motivo do internamento.” 

Se à chegada da equipa da biblioteca, os utentes mostram um “ar sisudo”, é com “um sorriso rasgado” que se despedem. “Perguntam quando é que voltamos e dizem que temos de vir cá mais vezes”. A presença dos familiares nas sessões é sinal de redundância dos benefícios. “A sua participação deixou-nos agradavelmente surpreendidos”, reconhece Gorete. 

Os próximos capítulos da biblioterapia podem ser folheados na UCC nas segundas quartas-feiras de cada mês. “É fundamental proporcionar momentos agradáveis, minorando momentos de apatia e/ou solidão aos nossos utentes, que se encontram internados num espaço de saúde, por vezes em situações difíceis, e alguns com poucas visitas dos familiares devido à distância da zona de residência”, conclui Jorge Fidalgo.

Voz das Misericórdias, Patrícia Posse