Em dia de festa por causa do Fundo Rainha Dona Leonor, Misericórdia de Oleiros serviu o prato mais típico da terra: cabrito estonado.

O cabrito estonado é um prato típico de Oleiros cuja receita original foi inventada pela Ti Prazeres, como era conhecida em Oleiros esta cozinheira de mão cheia. Um dia, com receio que o leitão não fosse suficiente para o jantar dos patrões, decidiu matar um cabrito e prepará-lo como o leitão. 

A Ti Prazeres estava longe de imaginar que, passados mais de 60 anos, a sua experiência daria origem a um prato que que já teve honras de figurar nos selos dos CTT, na coleção da cozinha tradicional portuguesa, e que é hoje um ex-libris do concelho de Oleiros. 

Maria Afonso Silva, acaba de completar 80 anos, foi a primeira a levar a receita do cabrito estonado para o restaurante onde a Ti Prazeres chegou a trabalhar. Inicialmente assava os cabritos no forno da padaria: “O primeiro cabrito que assei foi para a inauguração de uma fábrica de resina, na altura era só para dias de festa e banquetes.” 

Depois de sabermos a receita, que passou de cozinheira em cozinheira em Oleiros, com segredos que nem sempre revelam, percebemos por que motivo, ainda hoje, o cabrito estonado é feito apenas com dia marcado. 

O cabrito demora pelo menos dois dias a preparar. “Agora compramos no talho mas naquele tempo íamos ao lavrador comprar o cabrito que não pode ser qualquer um, não pode ter mais de dois meses. Depois, num panelão de água a ferver, tiramos o pelo ao cabrito, durante pelo menos duas horas.” Estonado o cabrito, fica a escorrer, pendurado, durante duas horas, depois é temperado com alho, louro, vinho branco, pimentão, para ficar a marinar “no mínimo 24 horas”. No dia seguinte, barra-se com banha, coloca-se numa assadeira, com paus de louro no fundo “para o cabrito não ficar no molho” vai ao forno durante três horas a assar, em forno a lenha, eucalipto de preferência, “para não ficar a cheirar a resina”. Quando o cabrito estiver tostado de um dos lados, vira-se e deixa-se tostar do outro (a pele deve ficar tostada e estaladiça como a pele do leitão). A receita original manda que o cabrito seja servido com o arroz de miúdos do cabrito e batatas assadas no molho que o cabrito largou enquanto esteve a assar. 

A começar pelos pastos de Oleiros e a terminar na travessa de barro, o cabrito estonado, para ser autêntico, precisa ser borrifado durante a assadura com vinho branco, para não queimar. São alguns dos segredos que nos confidenciou a Dona Luzia Afonso que no lar da Misericórdia recorda o tempo em que fazia a iguaria no restaurante Mateus, hoje já fechado. “Tenho muitas saudades daquela trabalheira toda”.   

Este prato fazia parte das ementas dos casamentos e dos batizados, das festas de aldeia e das celebrações do calendário litúrgico. Ainda hoje é apenas servido nos restaurantes aos domingos e nos restantes dias, só por encomenda. 

Foi o prato escolhido pela Santa Casa da Misericórdia de Oleiros para celebrar o dia da assinatura do contrato de adjudicação de uma obra que vai dotar a instituição de uma nova estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI). “É um novo lar, fica com todos os serviços, à exceção da cozinha que é comum ao atual.

Começou por ser uma casa de apoio ao lar, mas foi, entretanto, cedida para acolher provisoriamente o centro de saúde da vila. Passados seis anos, regressou à Misericórdia que submeteu o projeto ao Fundo Rainha Dona Leonor, que vai apoiar em 280 mil euros a obra adjudicada por 540 mil euros. Se tudo correr como previsto, estará concluída no início do próximo ano. 

Para o provedor, João Mateus, trata-se de “um passo em frente no progresso da Misericórdia e na ajuda aos mais necessitados”. Com capacidade para 12 camas, a ERPI vem minimizar a longa lista de espera que a Misericórdia tem em relação a esta resposta social. “Nós temos um lar com capacidade para 60 utentes, está lotado, e temos outros tantos em lista de espera”. 

Na assinatura do contrato de adjudicação, o presidente da câmara de Oleiros, Fernando Jorge, salientou a importância da Santa Casa para o concelho que dirige. “Se não fosse a Misericórdia, que tem sido uma barreira aos problemas sociais, a vida da autarquia era mais difícil”. Por esse motivo, a Câmara, que apoiou a elaboração do projeto e da candidatura, também vai apoiar a obra, nomeadamente nos arranjos exteriores que vão tirar partido da localização junto à escola secundária Padre António de Andrade.

“Pretende-se que este espaço seja um ponto de encontro de várias gerações, que promova a convivência diária e onde se podem partilhar experiências entre jovens e idosos, reforçando as suas capacidades de interação.”

Voz das Misericórdias, Paula Brito