Frequentar uma universidade sénior ajuda a contrariar o estigma de que o envelhecimento é sinónimo de inatividade ou incapacidade. Pelo contrário, os idosos demonstram que são capazes de aprender, participar e contribuir ativamente para a sociedade. A universidade sénior da Misericórdia de Ovar ilustra bem que a transição para uma vida sem obrigações profissionais pode ser desafiante e as atividades formativas ajudam a preencher esse vazio de forma produtiva.

São muitas as vantagens tanto a nível pessoal como social relatadas pelos alunos da universidade sénior da Santa Casa de Ovar. Desde logo são proporcionadas oportunidades onde o bem-estar e a socialização associam-se à manutenção da saúde mental e cognitiva, através da participação em atividades educativas para manter a mente ativa, ajudando a prevenir o declínio cognitivo e doenças como a demência e o Alzheimer.

Estudar novas áreas, como história, informática ou artes promove a memória, a atenção e a resolução de problemas. O processo de aprender novos temas e adquirir conhecimentos permite aos idosos sentirem-se realizados e úteis, mantendo a mente ágil.

Artur Aguiar trabalhou como delegado de informação médica e, há seis anos, entrou para a universidade sénior. “Com a entrada na reforma, decidi continuar a desenvolver as minhas capacidades físicas e cognitivas dedicando-me à fotografia. Esta atividade é desenvolvida essencialmente no exterior, o que me agrada, além de proporcionar uma agradável socialização”, assegura ao VM.

A aprendizagem tem permitido colocar em prática os conhecimentos adquiridos no âmbito da fotografia. “Tenho uma neta com seis anos e um outro com cinco meses e, mensalmente, faço-lhes um vídeo acoplando todas as fotografias e outros vídeos que vou executando”, conta com um brilho nos olhos.

Neste momento, o arquivo pessoal é composto por cerca de 62 vídeos e o material antigo de registos fotográficos “está devidamente organizado colocando em prática os ensinamentos adquiridos nas aulas da universidade sénior”, confessa.

Manuela Marques, professora aposentada, escolheu as valências de teatro e coro pela paixão que nutre pelas artes. “Frequentei um rancho onde organizávamos muitas festas, entre elas o teatro, passei pelo Orfeão de Ovar e aproveitava as festas da escola para representar”.

Há cerca de 15 anos que frequenta a universidade sénior e, quase desde a primeira hora, que integra o grupo de teatro. “Esta disciplina tem proporcionado atuações anuais como, por exemplo, na época natalícia, mas também fora de portas em espetáculos intergeracionais, em ações do mês sénior, no Centro de Artes e na feira do livro”, recorda a docente.

“Manter a atividade social é muito importante”, sublinha Manuela Marques, sustentando que através do convívio mantém-se o equilíbrio entre a parte física e a parte mental. Ao mesmo tempo, a universidade sénior permite-nos desenvolver novas capacidades: “Quando vim para cá e me deram um texto para decorar pensei que não ia conseguir. Não imagina a satisfação e a autoestima que senti quando fui capaz de o fazer”. Também professora aposentada, Maria do Carmo Seixas, frequenta as aulas de teatro e integra o ‘Grupo das Manualideiras’. “Quando solicitei a aposentação já estava aqui inscrita porque não queria parar”, revela, acrescentando que chegou a fazer teatro de intervenção no Grupo Atlético Vareiro. “Na escola trabalhei com alunos dos currículos especiais e, muitas vezes, o teatro era a forma de os ocupar”, assume.

Alegre por natureza, tenta sempre desempenhar personagens que tenham sentido de humor “porque para drama já basta muitas vezes a vida”, atira com gargalhada.

Numa manhã passada com os “estudantes”, subimos ao andar superior e entramos na sala de informática. O uso da tecnologia pode, entre outras vantagens, ajudar os idosos a manterem- -se atualizados e a reduzir a exclusão digital, permitindo-lhes comunicar com familiares e aceder a serviços essenciais online.

O formador Henrique Ribeiro explica que “o objetivo desta disciplina assenta em dotar os formandos de algumas competências a nível tecnológico para serem autónomos no seu manuseamento”.

“Utilizar o computador com segurança” é o lema principal, possibilitando aos alunos a utilização das plataformas sem correrem riscos. “São todos alunos muito interessados, por isso é que todos os anos levam diplomas”, solta com entusiamo.

Ivo Ferreira, aluno desta disciplina, confessa ao VM que evoluiu imenso: “Atualizei-me, estou a par da tecnologia que no meu tempo não existia. Hoje, ter conhecimento ao nível tecnológico é fundamental até para escrever”, sustenta.

Ivo Ferreira mostrou-se ainda surpreendido com o que tinha aprendido na lição do dia. “Eu posso perguntar qualquer coisa ao computador e ele faz-me logo uma composição de receitas, medicamentos ou outro assunto”, disse entusiasmado.

Henrique Ribeiro esclareceu que foi dada uma pequena introdução sobre inteligência artificial (IA) para que os alunos também tenham algumas noções básicas nesta área.

Ana Reis, professora aposentada, abraçou esta disciplina “para adquirir novos conhecimentos ao nível da tecnologia”, mas realça “o convívio e o espírito de camaradagem estabelecido entre os colegas”.

No mesmo piso, entramos numa outra sala onde a veia artística predomina. De tela e pincel na mão, Ana Maria, antiga técnica tributária, frequenta há um ano a disciplina de pintura. “Gosto de pintar, nunca fiz nenhum curso, mas tenho uma amiga que me deu umas noções básicas. Tenho aqui mais colegas, estou entretida e somos uma turma incrível”, afiança.

Ana Maria revela que, além da pintura em tela, também pinta garrafas, vasos e bonecos. Tudo isso depois é distribuído pelas filhas, “que me fazem encomendas”, e pelas amigas em dias especiais.

Na mesa ao lado, Susana Silva, professora aposentada do terceiro ciclo e secundário veio para a universidade sénior para estar ocupada. “É fundamental mantermo-nos ativos para combater o envelhecimento, o sedentarismo e manter a mente sã. Acabei por descobrir um gosto que não sabia que tinha: a pintura”.

Como não é pessoa para estar fechada entre quatro paredes, integra também a aula de fotografia que, maioritariamente, é feita no exterior.

A formadora da disciplina, professora Rosabela Cruz, reforça que “na fase da vida em que todos estamos, pós aposentação, é muito importante estarmos ocupados. São todas pessoas muito interessantes, porque já tiveram um percurso de vida, e interessadas naquilo que estão agora a descobrir. Por outro lado, a pintura é quase uma terapia e isso nota-se no ambiente que temos neste grupo”, confessa a docente.

No sobe e desce do edifício que alberga as várias valências, regressamos ao piso inferior onde se situa o espaço de educação física.

Assistimos, ainda durante alguns minutos, a uma aula de pilates com as participantes a corresponderem de uma forma muito entusiasta e aplicada aos exercícios propostos pelo professor Márcio Santos.

“Esta é uma disciplina que ajuda muito nas atividades do dia a dia e na mobilidade, permite o alívio de dores habituais, principalmente nas articulações e na coluna e, como vê, temos bastante adesão da população”.

Importa dizer que o aluno mais velho deve ter cerca de 85 anos. “Alguns apresentam algumas lesões graves, mazelas da vida, mas, mesmo assim, mostram muita vontade em fazer o melhor possível”, enaltece Márcio Santos, sublinhando que “as aulas são sempre diferenciadas, adaptada aos alunos”, assegura o professor.

A componente física é assumida como uma marca muito forte da universidade sénior que é complementada com uma vontade grande de aprender nas restantes disciplinas que são disponibilizadas aos utentes. Ao todo são 282 pessoas cujo testemunho evidencia que a universidade sénior não só enriquece a sua vida, como também contribui para um envelhecimento ativo e saudável, promovendo a inclusão social e o bem-estar.

Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves