Duas colaboradoras da Misericórdia de Alcanede voluntariaram-se para acompanhar um grupo de 15 utentes da ala Covid-19, em permanência, na sequência do surto diagnosticado na estrutura residencial no início de dezembro de 2020. Sem interrupção para folgas ou descanso, Maria Deonilde Ramos e Mafalda Martins foram as principais cuidadoras dos idosos infetados, de 06 de dezembro a 06 de janeiro, assumindo o desafio com serenidade, coragem e dedicação à causa que abraçam desde 2016.

“Mesmo sabendo que podiam ser infetadas, estas colaboradoras correram esse risco e puseram os outros à frente de tudo o resto. São pessoas como nós, que podiam ter receio, mas estiveram lá um mês inteiro com os idosos e que disseram que só saíam de lá quando estivessem todos bem. O mundo seria um lugar mais bonito se houvesse mais pessoas assim”, reconheceu a provedora Wanda Mendo, dias após o regresso de Maria e Mafalda a casa.

O surto detetado em dezembro reduziu drasticamente o número de profissionais ao serviço, obrigando a uma reestruturação interna, separação de utentes e desinfeção do local, em articulação com as autoridades locais de saúde e proteção civil.  Numa primeira fase, foram diagnosticados 9 casos de infeção entre a equipa e 15 entre os idosos.

Maria Deonilde Ramos e Mafalda Martins não estavam entre os infetados na altura. Por isso, não hesitaram quando foi necessário assegurar a prestação de cuidados na ala Covid-19. “Quando surgiu aquela necessidade disse logo contem comigo, eu vou entrar e só saio quando isto terminar. Eu sabia que estava a fazer um bem precioso e por isso não me custou nada. Sei que é um Natal e ano novo que não vou esquecer, vai-me ficar sempre marcado na memória”, admitiu Mafalda Martins, 45 anos, auxiliar de serviços gerais na Santa Casa.

Maria Deonilde Ramos, 55 anos, juntou-se de imediato à colega nestes 30 dias de trabalho ininterrupto, marcados por cuidados redobrados, vigilância atenta de sintomas e partilha de memórias e afetos com os idosos. “Eu não pensei duas vezes porque gosto daquilo que faço. Ainda ganhei mais amor aos idosos depois desta experiência. Nunca pensei virar as costas. Graças a deus consegui cumprir”.
Entre as duas repartiam tarefas de higiene, medição de sinais vitais e apoio na hora das refeições, além das conversas com os idosos e videochamadas com familiares. As mãos que cuidam multiplicaram-se uma semana depois, com a chegada de elementos da brigada de emergência e apoio dos enfermeiros da instituição, permitindo suavizar a carga de trabalho.

Em meia hora de conversa, não transparece fadiga ou sacrifício de espécie alguma, tão somente a serenidade de uma missão cumprida com sucesso. Durante todo este tempo, lamentam sobretudo o sofrimento dos idosos que testemunharam, pelo agravamento de sintomas, que conduziu ao internamento hospitalar de sete e a morte de cinco utentes.

“Cortava-me o coração vê-los sofrer. Há tantos meses que não veem as famílias. Mas o mais difícil foi mesmo a preocupação de os ver aflitos e dar o nosso máximo para os aliviar. Demos tudo para os salvar, mas não houve hipótese de salvar cinco. Alguns já estavam muito debilitados antes disso”, recorda Maria Deonilde Ramos.

Em casa deixaram a família e os recantos que conhecem de olhos fechados. Um marido (Maria Deonilde) e duas filhas (Mafalda) que apoiaram a decisão e enviaram manifestações de carinho sob a forma de objetos, mensagens e vídeos. “As minhas filhas foram-me deixando coisas de que fui precisando no muro do lar e no dia de Natal mandaram-me um vídeo a abrir a minha prenda, uma camisola e uma chaleira”, lembra Mafalda Martins.

Mesmo sem poder entrar, as colegas de apoio domiciliário e restantes respostas sociais foram deixando encomendas ao longo do mês, bombons na noite de Natal, bolo rei na passagem de ano e outras iguarias que tornaram impossível à dupla de colegas “fazer dieta”, brincam. Tudo para tornar estes dias memoráveis, amenizar a distância e saudades do exterior.

Na despedida, o passo ficou marcado pela saudade de quem acompanharam dia e noite, mesmo sabendo que seria um “até já” de duas semanas para descansar. Dias após o regresso a casa, Mafalda considera-se de “coração cheio e eternamente grata” por tudo o que fez e recebeu dos idosos. “Nunca me senti num cativeiro, o tempo passou a correr. Quando dava por mim, já estava noutro dia. Eu gosto daquilo que faço e não me vejo a trabalhar de outra forma, para mim os idosos devem ser louvados, receber atenção e carinho”.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas