Sentimentos que voltaram a vivenciar nos últimos meses, através do projeto ‘Cartas de Afetos’, que junta crianças de duas escolas do primeiro ciclo de Alcobaça e seniores de duas instituições sociais do concelho, entre as quais, a Santa Casa da Misericórdia, da qual o casal Custódio é utente na estrutura residencial para pessoas idosas.
A troca de correspondência tem-se revelado um mundo de pequenas surpresas para as duas faixas etárias, com a partilha de histórias e de vivências e o estreitar de laços intergeracionais. "Foi muito engraçado. A menina falou-me da família, dos irmãos e dos avós e quis saber o que é que eu fazia. Falei-lhe do tempo em que era professor", conta António Custódio que, tal como os restantes participantes no projeto, teve oportunidade de conhecer a criança com que se correspondeu durante um encontro realizado no final do ano letivo, no qual os afetos passaram do papel das cartas para os abraços. "Parecia que já nos conhecíamos. Vieram, contentes, ao nosso colo", relata o utente, de 84 anos, que guarda, com carinho, a fotografia do encontro.
Joana Lucas, psicóloga na Misericórdia de Alcobaça, explica que a participação da ins - tituição no projeto, que terá continuidade no próximo ano letivo, partiu de convite feito pela Banda de Alcobaça - Associação de Artes e aceite "de imediato" pela irmandade. "Estamos sempre abertos à comunidade e a projetos de parceria, nomeadamente, aqueles que envolvem escolas, por entendermos que o contacto intergeracional é benéfico para os nossos utentes, mas também para as crianças", diz a técnica.
TREINAR COMPETÊNCIAS
A troca de correspondência acontece ao ritmo de uma carta mensal, com a entrega a ser feita, no caso da Misericórdia, pela professora de música, que é comum à instituição e à escola do primeiro ciclo de Casal Ramos. "As cartas vêm numa caixa feita pelas crianças, que simboliza o marco do correio. O momento da distribuição é sempre de alegria", conta Joana Lucas, que considera que o projeto tem proporcionado "uma partilha muito bonita".
Também Dalila Vicente, diretora dos Proje - tos para a Comunidade da Banda de Alcobaça, destaca "a beleza e a riqueza partilhada" que se gerou entre as duas gerações e a capacidade de os mais novos olharem para os idosos "como pessoa e não como alguém inativo".
"As crianças são muito mais recetivas do que os adultos a este contacto com os seniores institucionalizados", observa a técnica, segundo a qual, a par da componente afetiva, o projeto permitiu trabalhar competências. "O escrever à mão ajuda a desenvolver capacidades neuronais que a escrita no computador não permite", exemplifica.
Por outro lado, é uma atividade que "treina a espera e que exige planear o que se vai escrever e estruturar o pensamento", acrescenta Dalila Vicente, que enaltece a abertura dos pais das crianças ao projeto, incluindo à possibilidade de terem de falar sobre a morte com os filhos, no caso de falecimento do idoso com o qual se correspondiam. "Aconteceu uma vez e foi necessário conversar com aquela criança e perguntar-lhe se queria continuar a escrever cartas a outro 'avô', o que se veio a verificar", conta a dirigente da Banda de Alcobaça, que acredita que o projeto tem benefício para duas faixas etárias. Pelo que, e feito o balanço do primeiro ano, as instituições envolvidas entenderam dar-lhe continuidade no próximo ano letivo. "Tudo o que possa ajudar os nossos utentes é bem-vindo", aponta Joana Lucas.
Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva