O Encontro dos Centros Sociais Paroquiais e das Misericórdias do Algarve ficou marcado pelas críticas ao enquadramento a que estão sujeitas aquelas instituições e às “contradições” que dizem resultar dos diversos normativos legais. O encontro, que decorreu a 19 de maio no Museu do Traje da Misericórdia de São Brás de Alportel, foi promovido em parceria pela Diocese do Algarve, por aquela Santa Casa e pela União das Misericórdias Portuguesas (UMP).

Durante a sua intervenção, o tesoureiro do Secretariado Nacional da UMP defendeu que “os parceiros do setor têm de ser ouvidos antes da publicação dos normativos legais”. “Muitas vezes, recebemos por email os projetos às 23/24h e dizem-nos que querem a resposta até às 8h do dia seguinte”, criticou José Rabaça, acrescentando que “os parceiros não têm tempo para dar a opinião sobre aquilo que é posto em cima da mesa”. “Quando as coisas são mesmo muito importantes, fazem-se noitadas e no outro dia a resposta está lá. Depois, quem está do outro lado não tem tempo para acolher aquilo que lhes é dito estar errado e sai exatamente da mesma maneira”, lamentou.

No encontro, que contou com a participação do bispo do Algarve, D. Manuel Quintas, e procurou refletir com cerca de 70 responsáveis sobre a sustentabilidade e a autonomia das Santas Casas e das IPSS, o outro orador do dia - Gonçalo Simões de Almeida – considerou mesmo que “há normas regulamentares em Portugal em vigor que são ilegais”.

Gonçalo Simões de Almeida disse que “o Estado tem quadros de pessoal que obriga e impõe”. “É um erro gravíssimo. É uma violação da lei de bases da economia social e tem sido um dos sintomas desta crise de autonomia que vivemos”, acrescentou o advogado, lembrando que “no âmbito da gestão de uma instituição [privada] não pode haver interferência do Estado”. “O Estado apoia e interfere naquilo que é o apoio técnico, não naquilo que é a gestão”, sustentou, lembrando que “fazer regulamentos internos não é apoio técnico”.

“Da mesma forma que nos anos 90 os quadros de pessoal apareceram como referenciais e agora são obrigatórios, também nos regulamentos internos começaram pelos direitos e deveres. O que é que virá a seguir?”, questionou, considerando que estas práticas têm contribuído para o “declínio da autonomia”.

“Há responsabilidade do Estado e há responsabilidade das instituições porque elas já assumiram quando se constituíram enquanto tal”, desenvolveu, alertando que “sem autonomia não há Misericórdias e IPSS e sem elas não há setor social”. “Desengane-se o legislador e o governante se achar que condicionar a autonomia vai correr bem, porque não vai”, avisou.

Simões de Almeida defendeu ainda a importância da valorização da qualidade daquelas instituições. “Contar cabeças ou o tamanho da diretora técnica, se ela está a 100% ou a 30% ou saber o número de papéis que estão afixados na parede não permite averiguar a qualidade”, ironizou.

A diretora do Centro Distrital de Faro da Segurança Social, que esteve presente na abertura do encontro, mas não chegou a ouvir as reivindicações dos agentes do setor social, também se referiu à necessidade de se valorizar a dimensão qualitativa. “Pensem o que é que podemos avaliar nas instituições para que se consigam aferir padrões de qualidade de serviços prestados”, pediu Margarida Flores, realçando a importância dos “indicadores de qualidade”. “Peço a todos os que têm assento nos órgãos nacionais que peçam comigo uma alteração do acompanhamento das respostas sociais. Mais do que fazer muitos relatórios, temos de avaliar a qualidade dos serviços. É muito mais importante termos índices de qualidade do que quantidade de relatórios”, afirmou.

Margarida Flores anunciou linhas de financiamentos, procedimentos e apoios, incluindo na área da rede dos cuidados continuados. “Preocupa-me a situação financeira de várias instituições. Continuamos a ter em aberto a nossa auditoria amigável em que fazemos um relatório sem qualquer consequência, nem controlo nacional, nem criminal. São os técnicos da Segurança Social a ajudarem as instituições a reorganizar-se”, disse no encontro que contou ainda com a presença do presidente da Câmara de São Brás de Alportel, Vítor Guerreiro.

Precisamente, dentro da sustentabilidade, o tema da subsidiação foi o que esteve no centro da reflexão. José Rabaça deixou claro que “o Estado não subsidia as instituições”. “O Estado subsidia os utentes e as famílias. O Estado contratualiza prestações de serviços. Está a contratualizar connosco como está a contratualizar perante um terceiro fornecedor qualquer. Nós fazemos prestações de serviços. Nós não somos subsidiados pelo Estado”, frisou.

José Rabaça disse ainda que as IPSS têm “trabalhadores muito mal pagos que devem ser mais bem remunerados, até pela dificuldade do trabalho que têm”. “Mas isso só é possível se recebermos maiores comparticipações para os nossos utentes vindas do Estado”, acrescentou aquele responsável que se mostrou pouco confiante no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). “Em determinada altura, tivemos muitas esperanças em relação às comissões de acompanhamento do PRR e hoje não temos esperança nenhuma porque achamos que o Estado não conseguiu aprender nada”, afirmou, defendendo que “o futuro passará obrigatoriamente por haver serviços partilhados”. “Há uma série de serviços que temos de partilhar para sobrevivermos todos”, concluiu no encontro que incluiu, depois do almoço servido pelos alunos do Agrupamento de Escolas José Belchior Viegas, uma visita ao Museu do Traje e à Casa António Bentes.

Voz das Misericórdias, Samuel Mendonça