O impacto da Covid-19 nos mais idosos tem sido particularmente duro, em particular nos que estão institucionalizados. Se, no início, a preocupação foi salvar vidas, agora importa encontrar formas de atenuar a solidão de quem sente que os afetos lhe foram confiscados.

Foi a pensar em soluções para esta realidade austera que a Santa Casa da Misericórdia de Almeirim lançou mãos ao volante a acelerou em direção à diferença. O projeto 'Alegria do Reencontro' está na linha da frente do combate ao isolamento, levando os utentes do Lar de São José ao encontro dos seus familiares.

Vão de porta em porta para atenuar o distanciamento a que a pandemia obriga e proporcionar momentos de felicidade e partilha. Separados por um vidro, sem contacto físico, mas com um olhar próximo, ao vivo e a cores, os idosos têm-se reencontrado com os seus familiares e as suas memórias.

A carrinha da instituição já realizou mais de duas dezenas de viagens e, em cada uma delas, no início do percurso leva saudade e regressa carregada de felicidade.

“Desde março que os lares vivem totalmente confinados e os utentes têm acusado muito os efeitos desta quase ‘reclusão’. Agora, e apesar de as visitas estarem novamente autorizadas, estas acabam por se tornar impessoais devido às inúmeras limitações. Lembrámo-nos, então, de juntar o útil ao agradável: ao mesmo tempo fazendo com que os idosos saiam da instituição, passeiem pela cidade e aproveitem para visitarem as suas famílias”, resume Helena Duarte, diretora técnica da Santa Casa de Almeirim.

“Para os nossos idosos, tem sido extraordinário. Acabam por espairecer, ver movimento e uma certa normalidade que lhes tem sido, de certa forma, vedada”, conta.

“Quando fui confrontada com esta proposta, fiquei extremamente feliz, mas nunca pensei que o resultado fosse tão benéfico”, confessa Rosário Salavessa, filha da utente Maria Luísa Oliveira.

“Uma coisa interessante, da qual me apercebi, foi o facto de a minha mãe, que em contexto de lar estava mais confusa e quase não nos reconhecia e não reagia a praticamente nada, quando veio ao nosso encontro, foi uma surpresa absoluta: ela, logo de início, conheceu-nos, de certeza. A forma como ela nos cumprimentou… o sorriso era de quem nos estava a reconhecer perfeitamente”, conta.

“Penso que isto está relacionado com o contexto de familiaridade dos sítios e o facto de estar ao pé de casa, de o ambiente estar-lhe na memória. Para nós, famílias, é extremamente benéfico”, relata.

Este tem sido, precisamente, um dos ‘efeitos colaterais’ destas visitas, conta Helena Duarte. “Temos proporcionado estas iniciativas mesmo a utentes com demências e temos verificado que participam muito e são altamente reativos. Reconhecem os espaços e os filhos e isso é excecional”.

Segundo refere, os idosos andam, por estes dias, “muito ansiosos”, não tanto com o receio pela doença, mas, sobretudo, porque sentem, “imensamente”, a falta dos familiares e também dos afetos que, nesta altura, têm de ser contidos.

“Depois, quando regressam, vêm muito mais ligeiros, muito mais felizes”, acrescenta a responsável, referindo que, para os técnicos e operacionais da instituição, têm sido momentos verdadeiramente indescritíveis.

Uma dessas ocasiões foi o aniversário de Emília Franco. A prenda dos 94 anos foi uma destas visitas aos seus familiares e nenhuma outra a poderia ter deixado mais feliz.

“Não esperava esta surpresa. Gostei tanto de ver os meus filhos”, confidenciou, entre lágrimas. Teve direito a bolo de anos e a que lhe cantassem os parabéns.

Para o filho, João Manuel Franco, este projeto, atendendo aos tempos em que estamos a viver, é, de facto, “uma iniciativa muito louvável”.

“Estou muito agradecida à Santa Casa”, diz, por seu turno, a filha, Maria Emília Franco, destacando, igualmente, “os cuidados” que a instituição tem com os idosos. “Fazem tudo para os manter em segurança”, afiança.

Ermelinda do Rosário e Maria José do Rosário, filhas da utente Silvina Carvalho, também louvam a iniciativa: “o facto de ela sair do lar para vir ver a família e regressar a locais que conheceu é muito importante, porque ela tem a patologia de Alzheimer e recordar vivências e recuperar estas memórias é fundamental”.

As visitas são feitas com recurso a uma carrinha da instituição, cumprindo todas as regras de segurança recomendadas pelas autoridades de saúde.

“Para os nossos idosos, acaba por ser extraordinário”, reforça a diretora técnica, contando uma viagem que a emocionou. “Foi um pedido que nos chegou através do marido da D. Mariete, utente do internato do Lar de S. José. O casal viu-se afastado durante alguns meses e a distância estava a ser difícil, principalmente, para o Sr. José Maria, com 84 anos, que ao saber da iniciativa ligou-nos pedindo que levassem a sua esposa até a sua terra natal, o Granho, em Salvaterra de Magos, para que pudesse ver os seus filhos, netos e o café que outrora fora gerido por eles”.

“E assim foi, apesar da iniciativa ‘Alegria do Reencontro’ ser destinada a utentes residentes no concelho de Almeirim, a Misericórdia acedeu ao pedido Sr. José Maria e lá fomos nós até ao Granho”, contou.

“A visita foi um sucesso. A D. Mariete e a equipa do Lar de S. José foram recebidos pelo marido, filha, neto e muitas vizinhas que aproveitaram a ocasião para a cumprimentar. No final, o contentamento foi geral, e a visita, sem dúvida, benéfica para todos”, acrescentou.

O projeto ‘Alegria do Reencontro’ promete continuar a fazer-se à estrada nos próximos tempos, encurtando distâncias e aproximando corações.

Voz das Misericórdias, Filipe Mendes