“Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?” A interrogação é o âmago da encíclica ecológica do Papa Francisco, onde exorta a todos a cuidarem da casa comum, envolvendo comunidades e instituições católicas. As Misericórdias, cuidadoras das casas de tantos, também têm preocupações com a casa que é de todos. Exemplos de boas praticas ambientais, parcerias, projetos e prémios não faltam, de norte a sul do país.

Se é nobre a missão de cuidar dos outros, ganha ainda mais nobreza quando cuidamos dos outros a pensar em todos, cuidando da casa comum que é o planeta Terra.

Basta imaginar a quantidade de lixo que se produz, por dia, numa estrutura residencial e multiplicar por 521 lares de Misericórdias em todo o país. Papel, plástico, vidro, lâmpadas, lixo comum, óleo, água, gás, luz…

Foi a pensar na casa comum que a Santa Casa da Misericórdia de Albufeira decidiu estabelecer várias parcerias que lhe permitem transformar tudo o que é possível transformar, fazendo do ambiente uma prioridade que anda de mão dada com a ação social.

Partindo do princípio de Lavoisier, na Santa Casa de Albufeira nada se perde, tudo se transforma. O papel, por exemplo, é transformado em alimentos. Este “milagre” resulta de uma parceria com o Banco Alimentar Contra a Fome que recolhe o papel da instituição, que fará reverter em alimentos para cumprir a sua missão de dar de comer a quem tem fome. “São cerca de 500 quilos de papel por ano que entregamos ao Banco Alimentar”, explica António Belchior, responsável pela higiene e segurança na Santa Casa da Misericórdia de Albufeira. É uma parceria replicada noutras Misericórdias do país e que resulta no bem comum. As instituições livram-se do papel, as empresas da especialidade reciclam e pagam, à tonelada, ao Banco Alimentar, que faz reverter esse valor em alimentos, para distribuir por famílias carenciadas. Uma economia que circula movida a solidariedade e que resulta no bem de todos.

Se pensarmos que são precisas 11 árvores para produzir uma tonelada de papel, só a Misericórdia de Albufeira já foi responsável por manter, pelo menos, cinco árvores por ano no planeta. O desafio que o Papa Francisco deixa na sua encíclica ecológica, de ouvir o gemido do planeta, pode muito bem ser o gemido das árvores. Juntas, nesta missão, as Misericórdias do país podem salvar uma floresta.

O mesmo acontece com os eletrodomésticos, pilhas e lâmpadas que são depositados no Eletrão, instalado no quartel dos bombeiros de Albufeira. É lá que a Misericórdia deposita estes resíduos, que seguem a mesma economia circular do papel e que, no final, resultam na aquisição de equipamento de proteção individual para os bombeiros poderem salvar umas quantas florestas.

Os óleos alimentares também fazem parte de uma parceria com uma empresa que, em troca, limpa os filtros e as chaminés das cozinhas da instituição. Mas, o mais importante, em benefício de todos, é o encaminhamento correto dos óleos alimentares usados. Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, um litro de óleo doméstico deitado no ralo chega a contaminar de uma só vez um milhão de litros de água, o suficiente para a sobrevivência de uma pessoa, até aos 40 anos.

Se, em média, uma família de quatro pessoas, gasta um litro de óleo por semana, os litros de óleo gastos nas cozinhas das Misericórdias de todo o país, devidamente encaminhados, darão para salvar rios de água.

A Misericórdia de Albufeira tem ainda um ponto de recolha de roupa, aberto a toda a comunidade. “Nós fazemos a seleção e recebemos um pequeno pagamento, estamos a falar de uma média de 1,5 toneladas por ano”.

Qual é o impacto ambiental das roupas? Para além da grande quantidade de água e eletricidade que é necessária para a indústria têxtil, há materiais específicos como o poliéster, que utiliza petróleo na sua confeção. Basta dizer que o poliéster é utilizado na confeção do plástico e que, numa t-shirt pode estar o equivalente a oito garrafas de plástico. O plástico, da roupa, embalagens, garrafas e tudo o que cabe no ecoponto amarelo, é um flagelo ambiental que desagua nos oceanos, representando 80% do lixo do mar.

O “gemido” do mar, que todos podemos evitar se cada um cumprir a sua parte. Para as Misericórdias cumprirem a sua, é preciso uma consciência ambiental alargada, como a colocação de ecopontos junto das instituições.

Na Misericórdia de Albufeira, para além do lixo indiferenciado que é colocado em contentores exclusivos para instituição, assegurando assim, que existe sempre resposta para o depósito diário deste lixo, em cada valência existem ecopontos. “São oito pontos de recolha de lixo que a Misericórdia separa em sacos das várias cores que a empresa que faz a recolha, fornece”.

A existência de ecopontos e contentores próprios para uso exclusivo das Misericórdias não é uma realidade transversal a todo o país, no entanto, no Algarve, parece ser uma prática. Na Santa Casa de Monchique existem contentores colocados pelo município dentro da instituição e para seu uso exclusivo, evitando assim a utilização comum no exterior, e assegurando sempre que a Misericórdia tem um local onde deposita os seus resíduos, sem acumulações.

A separação do lixo é já uma prática há muito enraizada na instituição que, à semelhança de Albufeira, também tem uma parceria com o Banco Alimentar a quem entrega o papel usado. Mas o que faz a diferença, em Monchique, é o facto de a Misericórdia ter água própria, utilizando a da rede pública apenas para banhos e alimentação. “Temos um poço, com que regamos o jardim e tratamos da horta que nos torna autossuficientes em legumes, temos favas, couves, feijão, tomates, coentros, salsa…” que vão da horta, diretamente para a cozinha da estrutura residencial para pessoas idosas.

O aproveitamento da energia solar é outro dos caminhos para poupar o ambiente e na conta da eletricidade. A colocação de painéis de energia fotovoltaica nos edifícios das várias valências da Santa Casa da Misericórdia de Peso da Régua tem permitido uma redução na fatura da energia “entre os 500 e os 600 euros”, refere Manuel Mesquita, provedor desta instituição onde se cuidam 320 pessoas, entre centro infantil, creche, lar e cuidados continuados. O ideal seria ter painéis em todos os edifícios, que se encontram espalhados pela cidade, mas a ideia, se houver incentivos no próximo quadro comunitário, é dotar todas as valências de painéis solares para aquecimento das águas. “Seria uma grande ajuda”, refere o provedor.

Em Vila Velha de Ródão, os números falam por si, o projeto a que a Santa Casa aderiu, da empresa que faz a recolha do lixo, permitiu de abril a setembro de 2019 recolher 1220 quilos de cartão e 850 de plástico e metal, o que se traduziu numa cadeira de rodas e dois andarilhos, equipamentos necessários para a instituição. Mas, mais importante é o incentivo que isso representa na separação do lixo, dentro e fora da instituição, aberta a outras parcerias. “Interessante era nós podermos contactar entidades e pedir para se associarem, para depois termos direito a mais equipamentos e selecionarmos mais lixo na vila”, justifica a provedora da Misericórdia Adelina Pinto, referindo-se a “cafés, restaurantes, bares, entre outras entidades”.

Reduzir a fatura da eletricidade, aproveitando as energias limpas, foi o objetivo da colocação de painéis solares nos três lares que a Misericórdia tem espalhados por Vila Velha de Ródão. “Os que temos a funcionar neste momento permitem-nos uma poupança mensal de 2500 euros, não é muito, mas é alguma coisa”. A ideia de futuro é aumentar essa poupança e diminuir a pegada ambiental da Misericórdia. “Existem painéis solares para aquecimento e a perspetiva é termos aquecimento a gás e eletricidade, dado que dois dos nossos edifícios vão ser alvo de um projeto de restauro de equipamentos, alteração de alumínios, remodelação da rede elétrica, substituição de luminárias, remodelar tudo.” O projeto, no valor de 300 mil euros, está aprovado e, além de melhorar as condições dos dois edifícios, vai torná-los mais eficientes, permitindo poupar ainda mais nas faturas da eletricidade e gás.

A substituição de todas as lâmpadas fluorescentes por led é uma prática a que se socorrem cada vez mais instituições, na medida em que duram mais, podem durar até 20 anos, a uma média de seis horas de utilização diária, gastam menos, são mais ecológicas, uma vez que não contêm substancias nocivas na sua produção, e são recicláveis.

Mas como tudo, requerem investimento, e quando a prioridade é cuidar de quem mais precisa, por vezes, torna-se difícil cuidar da casa de tantos e ainda da casa comum.

Foi a pensar nessas dificuldades que a Misericórdia do Fundão implementou, em 2014, um Plano de Eficiência Energética, que representou um investimento de 700 mil euros, comparticipado em 85% pelo programa Mais Centro e que implicou um investimento próprio de cerca de 180 mil euros.

As várias valências da instituição, localizadas no Fundão, dispõem agora de painéis fotovoltaicos e termo solares que se traduzem em significativas reduções na fatura da eletricidade e combustíveis. “Se tivermos em conta que anualmente temos custos energéticos que ascendem a quase 500 mil euros, uma poupança de 30% na fatura é bastante significativo”, refere Jorge Gaspar, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Fundão. Na prática, o primeiro ano compensou o investimento.

Mas, as Misericórdias têm ainda outra forma de cuidar do futuro da casa comum, através das gerações mais jovens que acolhe nas creches, jardins de infância e atividades de tempos livres. O ambiente é uma área transversal a todos os programas educacionais e já que “a casa não nos pertence só a nós, mas a todas as gerações futuras, e que é nossa responsabilidade preservá-la”, conforme se lê na oração para o quinto aniversário da ‘Laudato si’, é bom que comecemos a plantar as sementes que vão germinar no futuro.

Voz das Misericórdias, Paula Brito