Em jeito de balanço, o VM convidou dez profissionais de Misericórdias para refletirem sobre o trabalho realizado e os principais desafios para o futuro próximo. O mote deste convite foi inspirado por uma frase do Papa Francisco: “A escuta é o primeiro e indispensável ingrediente do diálogo e da boa comunicação”. A escuta é aquilo que tentamos, diariamente, praticar no VM. Ouvir para, depois, dar a conhecer as histórias mais inspiradoras das Santas Casas, que consideramos terreno fértil para transformação de vidas e para a cidadania ativa.

Ao longo de quase duas décadas na instituição, Celisa Alves, diretora geral da Misericórdia de Caminha, destaca a multiculturalidade das pessoas que apoiam e com quem trabalham como uma das mudanças mais marcantes. Todas estas mudanças, assim como a maior pressão sobre os gastos, exigem capacidade de adaptação, ajustes nas práticas de gestão e uma “inquietação criativa” (Papa Francisco) que pode ser determinante para o sucesso destas instituições. 

'Maior capacidade de adaptação às mudanças

Com maior ou menor dimensão, servindo grandes ou pequenos territórios, as Misericórdias sempre se reinventaram ao longo dos séculos, desenvolvendo a sua ação com pessoas e para as pessoas. Os séculos passam, as ilimitadas necessidades transformam-se, os recursos são sempre escassos, mas o propósito mantém-se: satisfazer, da forma mais eficiente possível, as necessidades das pessoas. Neste ensejo, talvez o maior desafio seja, num contexto de estonteante incerteza e imprevisibilidade, com a resiliência que sempre as caracterizou, garantir a sua sustentabilidade futura.

Ao longo de quase duas décadas a trabalhar diretamente numa Misericórdia, são inúmeras as mudanças vivenciadas, mas as mais marcantes são, sem dúvida, nas pessoas com quem trabalhamos e nas pessoas para quem trabalhamos. O contexto alterou-se e as exigências são crescentes.

Em Caminha, um pequeno concelho com menos de dezasseis mil habitantes, a Misericórdia assume-se como um dos maiores empregadores. No universo dos seus trabalhadores, todos os que contam mais de 10 anos de serviço são portugueses, mas nas contratações dos últimos dois anos, contam-se já quatro nacionalidades diferentes. A imagem da opinião pública sobre o setor social e as condições remuneratórias dos recursos humanos dificultam a contratação e a retenção de pessoas no setor, mas a multiculturalidade também é tendência atual das pessoas a quem servimos.

Enquanto os utentes das respostas sociais de apoio a idosos são (ainda) todos de nacionalidade portuguesa, na infância contamos já seis diferentes nacionalidades.

As pessoas a quem servimos (utentes e seus responsáveis) são agora pessoas mais (in)formadas e por isso mais exigentes, obrigando a aperfeiçoamento contínuo. Exige-se agora maior capacidade de adaptação às constantes mudanças, resolvendo problemas e resistindo à pressão que muitas situações oferecem.

Pressão sobre os gastos também exigem constante atenção nas práticas de gestão. As tensões geopolíticas a Oriente que afetam o crescimento económico global, as elevadas taxas de juro que sobrecarregam a Europa e a inflação sentida no país e no setor social em particular refletem-se num aumento dos gastos sem real contrapartida nos rendimentos, podendo mesmo conduzir a dificuldade de sustentabilidade financeira a curto/médio prazo nas Misericórdias.

Neste contexto torna-se essencial a mobilização conjunta das Misericórdias, potenciando a sua capacidade de diálogo com as autoridades públicas na definição de melhores medidas para o setor e a articulação institucional entre as mesmas, concertando diretrizes e partilhando boas práticas.

Como disse o nosso Papa Francisco, é necessário “testemunhar a solidariedade, ter uma santa inquietação criativa e muita humildade”.

Talvez esta seja mesmo a chave para o sucesso futuro das Misericórdias.'

Voz das Misericórdias, edição de dezembro de 2023