Em jeito de balanço, o VM convidou dez profissionais de Misericórdias para refletirem sobre o trabalho realizado e os principais desafios para o futuro próximo. O mote deste convite foi inspirado por uma frase do Papa Francisco: “A escuta é o primeiro e indispensável ingrediente do diálogo e da boa comunicação”. A escuta é aquilo que tentamos, diariamente, praticar no VM. Ouvir para, depois, dar a conhecer as histórias mais inspiradoras das Santas Casas, que consideramos terreno fértil para transformação de vidas e para a cidadania ativa.

No segundo testemunho, a diretora coordenadora técnica da Misericórdia de Almada, Sofia Valério, reflete sobre os problemas e soluções que todos os dias se procuram equilibrar numa frágil “dança do limbo”.

"Praticantes da dança do limbo

Há uns anos, por esta altura, uma das nossas respostas sociais lembrou-se de oferecer a todas as famílias e colegas da instituição um frasco decorado, para recolha de desejos e promessas para o ano seguinte. Explicava-se nas instruções que o frasco, que não era pequeno, deveria ir recebendo, em papelinhos dobrados em quatro, as ditas formulações sobre sonhos de dias melhores e empenhos pessoais comprometidos, e que findo o ano poder-se-ia abrir e ler cada um, para recordar pedidos provavelmente já esquecidos, verificar a sorte arrecadada e renovar os almejos para a jornada seguinte.

Se este jornal fosse esse frasco, seria só um, seria nosso e representativo de todos os problemas que sentimos nas nossas organizações, das soluções que fomos encontrando, de forma criativa e inovadora, mas tantas vezes exasperada, por se ter de relembrar repetidamente responsabilidades a quem as tem e nem sempre as assume, na medida a que está obrigado.

E nós, nas Misericórdias, parecemos em 2023 praticantes da dança do limbo, aquela cujo o objetivo é passar debaixo de uma barra baixa enquanto nos inclinamos para trás, sem cair ou encostar na barra. A barra desceu muito, mas passámos. Só que não foi fácil, foi por vezes à custa das nossas provisões, o que não foi justo. Os motivos todos conhecemos: o aumento do custo de vida, das matérias-primas, dos combustíveis, o aumento dos salários e a sua desproporção face às contrapartidas do Estado, entretanto compensada em certa medida, mas insuficiente.

A sustentabilidade financeira foi um desafio, contrabalançado pela sustentabilidade da missão cumprida. Assumimos responsabilidades no atendimento e acompanhamento social das famílias vulneráveis da maior parte dos territórios do concelho; alargámos a resposta de creche; desafiámo-nos a pôr em causa a nossa prestação de cuidados, içámos a bandeira dos cuidados em humanitude e centrados na pessoa; apostámos numa nova geração de cuidados no domicílio; afirmámos o nosso papel como agentes de desenvolvimento local, na animação dos territórios, no emprego e empreendedorismo; desmontámos o conforto da prática consolidada da intervenção social e comunitária, e lançámo-nos em novas propostas. Mudámos de imagem, comunicámos melhor, renovámos parte da frota automóvel através de investimentos apoiados, ecologicamente sustentáveis. Candidatámo-nos a prémios, ganhámos alguns. Reunimos toda a nossa Santa Casa, olhámos para dentro e para o mundo, e planeámos o futuro, num horizonte estratégico de sete anos.

Aqui chegados, erguemos a 2024 o brinde da esperança e dizemos presente. Adivinhamos dificuldades em cada travo das dozes passas. Contamos com as nossas equipas.

Desejamos mais recursos, mais cooperação e menos dança do limbo."

Voz das Misericórdias, edição de dezembro de 2023