Noutros tempos, "quando não havia telemóveis" e o telefone era ainda uma raridade, Luísa Salgueiro escreveu muitas cartas, com as quais matava saudades da família e dos amigos. Há muito que deixou de o fazer, mas ainda tem bem presente a ansiedade com que aguardava a resposta e a alegria sentida quando esta chegava pelas mãos do carteiro. Sentimentos que está, de novo, a vivenciar através do projeto "Carinho por Correspondência", que junta os utentes da Residência Nossa Senhora da Vitória, da Misericórdia da Batalha, e alunos do ensino secundário (10.º e 11.º anos).

A troca de correspondência entre os idosos e os jovens começou em finais de janeiro e está a revelar-se um mundo de pequenas surpresas para as duas faixas etárias, com a partilha de histórias e de vivências e o estreitar de laços intergeracionais.

Surgido numa fase aguda da pandemia e com a instituição a sair de um surto de Covid-19, o projeto nasceu com o objetivo de "combater a solidão" dos mais velhos e de lhes proporcionar "momentos de afeto", estimulando também o "diálogo" entre gerações, conta Cláudia Santos, técnica de educação social da residência para idosos. É também uma forma de "abrir a instituição à comunidade", acrescenta a diretora técnica, Filipa Botas.

A ideia foi "prontamente" acolhida pelos idosos e pelo Agrupamento de Escolas da Batalha. De um lado, estão 15 utentes e, do outro, o mesmo número de alunos, que já puseram as cartas a circular.

Luísa Sequeira corresponde-se com Eduarda, estudante do 11.º ano, com "uma letra muito bonita" que, veio depois a saber, é colega do seu neto Afonso. "Foi ele que descobriu. Ficou muito espantando por eu escrever para ela e não para ele", conta a utente, com 79 anos. Cláudia Santos explica que a escolha dos destinatários foi feita pelos utentes, a partir da lista de alunos que se inscreveram para participar no projeto. "Alguns escolheram o nome de netos ou de pessoas conhecidas, indo ao encontro das suas vivências pessoais", refere a técnica de educação social.

No caso de Luísa, foi "um feliz acaso". Na primeira carta que enviou a Eduarda, escreveu sobre as atividades que gosta de fazer na residência, como o jogo do bingo e trabalhos manuais, e fez várias perguntas à jovem sobre a sua vida académica.

"São muito curiosos. Alguns quiseram saber também de namoricos", brinca Cláudia Santos, para, mais a sério, destacar o "empenho" de uns e de outros no projeto, procurando surpreender-se mutuamente. É que, em alguns subscritos, além da carta, seguem pequenos mimos. Por exemplo, entre os idosos houve quem enviasse desenhos coloridos ou trabalhos em crochê para os seus correspondentes.

Do lado dos mais novos também se registaram surpresas, como o momento singular relatado pela animadora social: "Na sua carta, um dos utentes disse que gostava de cultivar flores. Na resposta, a aluna com que se corresponde mandou-lhe um pequeno saco com sementes de amores-perfeitos dentro do envelope". Um verdadeiro "carinho por correspondência", que faz "jus ao nome do projeto", constata Cláudia Santos.

A técnica realça o "entusiasmo" dos utentes com a iniciativa. Ainda na fase de elaboração das cartas, "esforçaram-se por fazer uma letra bonita e por não dar erros", preparando um rascunho e pedindo a supervisão das técnicas para verificarem a ortografia. Quem já não consegue ou não sabe escrever, ditou e as funcionárias passaram para o computador.

Enviadas as cartas, seguiu-se a ansiedade pela resposta. "Perguntaram várias vezes se os jovens já teriam lido as cartas e o que teriam achado", conta a técnica, que recorda a felicidade com que receberam a correspondência de volta. "Mostravam, com orgulho, as cartas uns aos outros e às funcionárias."

Do lado dos jovens a experiência foi semelhante, assegura Ivânia Alexandre, técnica superior de Educação Social no Agrupamento de Escolas da Batalha. "É interessante perceber que, nos dias de hoje, os alunos ficam entusiasmados com a ideia de conhecerem a história de alguém mais velho, através deste meio de comunicação [carta]", salienta.

A ideia é dar continuidade à troca de correspondência, mas também proporcionar um encontro físico entre ambas as partes. Há ainda uma proposta dos jovens para, nas próximas cartas, inserirem códigos de QR, com acesso a pequenos vídeos que possam ser visualizados pelos mais velhos, e para a realização de videochamadas. Será, diz Cláudia Santos, mais uma troca de aprendizagens e de experiências entre as duas gerações, sem, no entanto, perder a essência do projeto, a troca de carinho por correspondência.

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva