Para marcar a efeméride, a Misericórdia de Mora promoveu uma exposição com fotografias das mulheres que trabalham na instituição.

Mais de 150 anos depois da marcha de trabalhadoras que celebrizou o início da luta pelos direitos das mulheres, o tema da igualdade de género continua a estar na agenda. As mulheres reivindicam salários e horários mais justos, o fim do assédio físico e verbal e outras conquistas que ainda não são universais. Atentas a essa realidade, mais de cinquenta colaboradoras da Misericórdia de Mora decidiram dar rosto a uma luta que está mais atual do que nunca.

“Estas são fotografias do outro lado, além da farda do trabalho, que nos querem contar que em cada uma de nós há outras mulheres – mãe, filha, companheira, mulheres-muralha, mulheres-batalha, mulher-pormenor, mulher feita de cuidados”, escreveu a enfermeira Liliana de Sousa, no texto de abertura da exposição inaugurada no Dia Internacional da Mulher.

Os retratos da autoria de José Artur Macedo, informático de profissão e fotógrafo nas horas vagas, revelam rostos imperturbáveis, que emergem da escuridão, num jogo de luz e sombras inspirado nos clássicos de “film noir”, dos anos 1940. Um ambiente misterioso alusivo a um género cinematográfico onde as mulheres são figuras centrais no enredo.

“Foi extraordinário vê-las chegar à sala fardadas e cansadas para minutos depois saírem com um ar feliz e autoestima elevada, depois de arranjadas e maquilhadas. Revelaram uma entrega total”, contou a terapeuta ocupacional, Ilda Sousa, uma das mentoras da iniciativa.

Esta transformação aconteceu numa sala do núcleo de terapia ocupacional, convertida em estúdio fotográfico, com recurso a equipamento cedido pela autarquia e adereços trazidos pelas funcionárias com idades compreendidas entre os 18 e 63 anos.

A “maratona fotográfica”, como lhe chamou José Artur Macedo, aconteceu nas semanas que antecederam a efeméride e teve uma adesão inesperada junto das colaboradoras de todas as respostas sociais. “Começámos por fazer nas horas de almoço e momentos de pausa para não transtornar o serviço, mas as pessoas foram passando a palavra e no final foi uma correria. Elas gostaram muito, não só pelo resultado, mas pela participação em si”.

Em apenas três semanas, 51 mulheres que assumem funções no lar de idosos, centro de dia, jardim-de-infância, unidade de cuidados continuados e serviços administrativos da instituição transformaram-se em lendas cinematográficas imortalizadas a preto e branco.

Nem mesmo as mais experientes resistiram à lente do fotógrafo, depois de verem o resultado das primeiras sessões. Segundo a terapeuta Ilda Sousa, que acompanhou o projeto fotográfico desde a sua génese, “as pessoas mais velhas estavam com receio de ter muitas rugas, mas depois nem se reconheceram nas fotografias, disseram-nos que estavam muito bonitas”.

Os colegas, familiares, utentes e a própria comunidade tiveram reação idêntica, desde que a mostra foi inaugurada no edifício que acolhe a unidade de cuidados continuados da Misericórdia e centro de saúde local. Primeiro, estranharam o rosto desconhecido, depois identificaram a modelo com que se cruzam diariamente nos corredores.

“Na maior parte dos dias, cada um desempenha as suas funções de forma independente e depois temos estes pequenos momentos em que podemos partilhar experiências. Foram momentos rápidos, mas intensos, divertidos e muito bonitos, em que partilhámos várias emoções”, valorizou outra das responsáveis pela iniciativa, a animadora Rita Casanova.

Dentro e fora de portas, os elogios chovem, valorizando o trabalho do fotógrafo e das modelos que, segundo a nota de abertura, deram voz a “todas as mulheres que em alguma parte do mundo sofrem com as guerras, a pobreza, exploração e desigualdade”.

Diante da câmera, a dureza do rosto, fatigado pelo tempo, dá lugar a uma serenidade de quem ganha rosto no anonimato. “Rostos que nos dizem que amanhã também será dia da mulher, enquanto houver dias, enquanto houver mulheres”.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas