Pedro Mota Soares já foi ministro da Solidariedade, Trabalho e da Segurança Social entre 2011 e 2015 e conversou com o VM sobre o novo projeto entre Câmara Municipal e Misericórdia de Cascais.

Pedro Mota Soares, advogado, presidente da Assembleia Municipal de Cascais e mesário da Misericórdia de Cascais

Câmara Municipal de Cascais (CMC) e Santa Casa da Misericórdia de Cascais (SCMC) têm em curso um projeto para reconstrução de um bairro social que se fará acompanhar por um programa de envelhecimento e rejuvenescimento da população que lá vive. Em que consiste, mais pormenorizadamente este projeto?

A alteração do Bairro Marechal Carmona (BMC) é um grande projeto de intervenção e proteção social. É um novo programa de habitação pública, com um forte pendor social. Para além da recuperação das habitações para a população que já lá reside, o projeto prevê a “mistura” de gerações, com a entrada no bairro de famílias mais jovens, que poderão recorrer a habitações a preços controlados. Estamos a falar das atuais 220 casas, 220 famílias que podem, no seu bairro, encontrar melhores condições de vida e de convívio com a comunidade, a que se juntaram outras cerca de 240 novas habitações e famílias. A ideia é que estas novas casas sejam integradas no programa municipal de acesso à habitação com rendas que não ultrapassem um terço do rendimento das famílias, dando um apoio às jovens famílias que tem dificuldades de encontrar uma habitação para começar a sua vida em família. Além disso vai-se promover no bairro novos equipamentos, na área da saúde, da educação, da cultura e do desporto e lazer. É um projeto muito ambicioso de construir um bairro para todos, que estimamos estar concluído no próximo mandato autárquico.

As principais áreas de ação do projeto dão resposta a dois dos mais prementes problemas sociais em Portugal: habitação e envelhecimento. Acha que este modelo, mesmo que adaptado a outras realidades locais, pode ser replicado noutras cidades?

Espero que sim. Com este projeto queremos acompanhar as pessoas no seu processo de envelhecimento - é uma coisa que nos toca a todos- e garantir melhores condições, mais humanas e dignas, que não se resumam à institucionalização dos mais idosos. E trabalhar no envelhecimento ativo destas comunidades, com a preocupação da ligação e solidariedade entre gerações. Idosos que podem conviver com os filhos dos jovens casais e transmitir – a uns e a outros - o seu conhecimento e a sua experiência. Espaços de convívio que sejam adaptados às diferentes gerações. Este modelo pode ser replicado, que dentro da nossa fronteira, quer em outras geografias ou latitudes.

Em que medida projetos desta natureza, entre forças locais, podem contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas e também aumentar o impacto das políticas sociais definidas pelo poder central?

As políticas sociais são sempre melhores quando provêm ou incluem os contributos das forças locais. Este princípio tem um nome que conhecemos bem: princípio da subsidiariedade. É com as pessoas que chegamos às melhores soluções. A parceria entre a Câmara Municipal de Cascais, que muito saudamos, e a Santa Casa da Misericórdia teve sempre esse princípio. Ouvir os moradores e tentar chegar às melhores respostas. Por isso o projeto começou com a realização de um estudo de caracterização sociodemográfica de todas as famílias do bairro, cuja sede foi colocada – não por acaso – no próprio centro do BMC. 

A CMC apresentou publicamente, em abril, o projeto ‘Vida Cascais’. Num artigo de opinião publicado no Inevitável, o presidente da Câmara destaca que “transversal a todo o programa é o conceito de envelhecimento ativo”. Considera que a população portuguesa em geral está sensível ao tema do envelhecimento?

Se não está, a breve trecho vai passar a estar. Nos próximos 20 anos, a esperança média de vida vai aumentar, pelo menos 4 anos. Muito rapidamente chegaremos aos 85 anos como esperança de vida. Ao mesmo tempo a taxa de substituição das pensões (diferença entre o último salário e o valor da pensão) vai cair de 80% para 50%. Num país com salários médios muito baixos isto vai significar um problema de pobreza nos mais idosos, muitas vezes uma pobreza envergonhada, esquecida, pouco apoiada. É fundamental começarmos hoje a inverter este estado de coisas. Garantir condições mais dignas às pessoas e não lhes dar a institucionalização como primeira ou única opção. Trabalhar respostas mais humanizantes, que não retirem as pessoas dos locais onde vivem o seu dia-a-dia, que não desenraízem e destruam redes de vizinhança, vai ser muito importante. Vamos precisar de uma nova geração de apoio domiciliário, com maior ligação entra a saúde e o social. Para isto é preciso que todos – instituições, poder autárquico e poder central (ou regional) - deem as mãos e lancem as mãos ao trabalho.

No plano da habitação social, que contributo poderá dar o setor social e solidário para aumentar a oferta de habitação digna?

Garantir respostas de qualidade e inclusivas. Garantir respostas integradas, em que a habitação, saúde, cultura, educação e proteção social possam caminhar a par e passo. Usar os seus conhecimentos e recursos para que estas novas respostas sejam uma realidade. Para quem conhece os territórios locais como as Misericórdias conhecem, isto é um imperativo de intervenção social.

Ainda no âmbito do ‘Vida Cascais’, a parceria entre CMC e SCMC estende-se ao ACES Cascais para assegurar à população cobertura universal de médico de família. Qual é o papel de cada uma das entidades no projeto ‘Bata Branca’?

O SL3S (Serviço Local de Saúde e Solidariedade Social) tem uma resposta nova e inovadora que junta a ARS, a Câmara Municipal de Cascais e a Santa Casa da Misericórdia para dar resposta a 20 mil pessoas que não têm, ainda, médico de família. Com este programa, esta franja significativa de pessoas passa a estar dentro da rede dos cuidados de saúde primários – com acesso a médico, consultas e prescrição de exames de diagnóstico. Esperamos que possa a vir a abranger os cuidados de prevenção primária, nomeadamente em todos os locais de educação, que, como assistimos na atual pandemia, necessitam muito desta nova e persistente abordagem.

Voz das Misericórdias, Bethania Pagin