Os fogos deste ano afetaram muitas populações e as Misericórdias não ficaram indiferentes. As chamas não conhecem fronteiras, mas o apoio social também não e tudo foi feito para proteger os idosos, especialmente os acompanhados através do serviço de apoio domiciliário (SAD). Provedores destacaram o papel dos trabalhadores que, em muitos casos, também tiveram as suas vidas afetadas pelos incêndios.

No distrito de Castelo Branco, a Misericórdia do Fundão teve de acolher alguns utentes de SAD durante os dias de fogos, mas o pior mesmo foi a impossibilidade de contacto com as equipas no terreno, revelou o provedor Jorge Gaspar. Com serviços e equipamentos espalhados por várias freguesias, esta Santa Casa conseguiu manter o SAD - em muitos casos com ajuda de entidades locais como as juntas de freguesia - e, ao mesmo tempo, tranquilizar as famílias. “Sempre com chamadas constantes durante o dia, a tentar manter a calma e atentos a novas informações para podermos atuar de acordo com as circunstâncias”, recorda Sónia Louro, responsável pelo SAD.

Numa das localidades mais afetadas, Lavacolhos, os acessos foram cortados pelas autoridades, sendo necessário solicitar o apoio da junta de freguesia na distribuição de refeições a utentes de SAD, com quem estiveram em contacto permanente. Noutras freguesias, onde funcionam respostas de SAD e centro de dia, foi possível unir esforços no apoio à população.

Segundo a responsável de SAD, da experiência ficam algumas aprendizagens para o futuro, como “aumentar a rede de apoio e de contactos, para salvaguardar quebras de comunicação e, para além dos planos que já existem, continuar a investir nestes planos de contingência”.

No mesmo concelho, as chamas também andaram perto da Misericórdia da Soalheira, que tem 40 utentes em ERPI, 30 em centro de dia e 18 em SAD. O provedor, José Martins Adão, revela que foram dias difíceis, “mas com o sacrifício de toda a gente, foi possível apoiar as pessoas e tentar manter o fogo o mais longe possível desta casa.” Houve dois casos em que os utentes de SAD acabaram por ir dormir ao lar na noite mais perigosa. “Não tinham problemas nas habitações, mas sentiam-se mais seguras aqui.” Em relação a lições para o futuro, o provedor adiantou que a remodelação do lar, em curso, é “o nosso plano de contingência”, uma vez que vai permitir dotar a instituição de instalações modernas, mais equipadas e seguras.

No distrito de Coimbra, igualmente fustigado, as Misericórdias de Arganil e Pampilhosa da Serra contaram ao VM que não houve utentes de SAD diretamente afetados pelos fogos, mas foi necessário prestar apoio a outras pessoas. “Nenhum dos nossos utentes do SAD foi retirado das suas habitações, uma vez que as suas residências não foram diretamente afetadas”, observou o vice-provedor da Misericórdia de Arganil. “No entanto, em algumas aldeias da região atingidas pelo fogo, foi necessário proceder à evacuação preventiva de moradores para locais mais seguros”, referiu Nuno Gomes, reconhecendo que estas “ações foram essenciais para garantir a segurança das populações em risco”.

“Infelizmente, e ciclicamente, vivemos este inferno dos incêndios”, constatou o presidente do Secretariado Regional de Coimbra da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), António Sérgio Martins. Tratando-se de uma situação perturbadora para os idosos, muitos deles a viverem sozinhos, Sérgio Martins, que também é provedor da Santa Casa da Pampilhosa da Serra, considera que “além da assistência física, o mais importante é a assistência psicológica”.

Esta ideia foi corroborada por Nuno Gomes. “O medo, a ansiedade e o stress causados pela ameaça do fogo, pela possível perda do lar e pela instabilidade das condições de vida agravam significativamente o seu bem-estar físico e emocional”, assinala.

O flagelo dos fogos não está limitado aos utentes e muitos foram os trabalhadores que tiveram as suas casas ameaçadas. “Esta proximidade gerou um elevado grau de stress, ansiedade e insegurança, não só pela ameaça direta às suas propriedades e à segurança pessoal, mas ainda pelo impacto emocional associado à possibilidade de perda e à preocupação com familiares e comunidade”, descreve Nuno Gomes, destacando que os profissionais “demonstraram um notável sentido de responsabilidade e resiliência, conseguindo manter o seu desempenho e dedicação no exercício das suas funções”.

Comentando o impacto dos fogos nas pessoas mais velhas e isoladas, a provedora da Misericórdia de Góis subscreveu Nuno Gomes, qualificando-o de “particularmente severo, tanto do ponto de vista físico, como psicológico e social”. “No impacto social, considera-se o próprio isolamento em meio rural que aumenta o risco de ficarem sem ajuda atempada”, a par da sua “dependência acrescida das instituições sociais para segurança e cuidados”, alegou Lurdes Castanheira, relevando que a instituição que dirige “tem plena consciência da capacidade para mitigar os riscos”, embora isso dependa da “antecipação, da rede local de cooperação e dos recursos disponíveis”.

Segundo o 5º relatório provisório de incêndios rurais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, o ano de 2025 apresenta, até ao dia 31 de agosto, o valor mais elevado de área ardida, desde 2015, com 254.296 hectares destruídos.

Voz das Misericórdias