Interior | ‘Não é fácil encontrar quem queira comandar uma barca destas’

Álvaro e Pedrógão Pequeno foram ambas sedes de concelho e ambas extintas no século XIX. As Misericórdias foram as únicas instituições que sobreviveram e que se mantiveram, sendo que a de Álvaro mantém um dinamismo “muito bom, movimentamos cerca de 270 mil euros por ano, temos dez funcionários, 40 utentes e quatro carrinhas”, que são o motor do serviço de apoio domiciliário (SAD). “Numa zona muito dispersa, fazemos muitos quilómetros para dar assistência às pessoas”, conta ao VM.

O SAD é a única valência social da Misericórdia de Álvaro e faz toda a diferença não só naquela aldeia de xisto, mas também nas aldeias que a circundam. “Já estamos a servir utentes de outras freguesias limítrofes com alimentação, higiene, limpeza de casa, roupa, ajudando a pessoa a nível da sua medicação, toda a assistência normal do apoio domiciliário”, para além “do sentido fraterno que é fundamental”, adianta o provedor José Afonso.

Este ano, a Misericórdia de Álvaro está a desenvolver um projeto, apoiado pelo PRR, de climatização energética, “que nos obrigará a manter-nos em atividade durante 20 anos”. A candidatura, no valor de 80 mil euros, prevê o isolamento das paredes, a colocação de um sistema fotovoltaico de dez mil watts e o isolamento térmico das janelas e das portas.

Para além do serviço de apoio domiciliário, do seu património faz parte uma igreja e as atividades de culto. Com 118 irmãos ativos, a Misericórdia de Álvaro “sempre levou muito a sério as celebrações da quinta e da sexta-feira santa, que se mantêm”. Segundo o provedor, “relacionado com isso, tem um património invejável, a igreja da Misericórdia de Álvaro é realmente algo de fabuloso”. Um templo situado no centro daquela aldeia de xisto e um dos seus atrativos turísticos.

Das celebrações de culto, fazem ainda parte a festa de Santa Isabel, no início de julho, em que além de se venerar a Rainha Santa, se realiza um convívio entre os irmãos da Misericórdia e os seus utentes, que se repete no outono, com a realização de um magusto, “em que as pessoas convivem para estarmos todos em conjunto.”

A 25 quilómetros de Álvaro, situa-se, já noutro concelho, a aldeia de Pedrógão Pequeno, onde o pároco José Afonso está, desde finais do ano passado, a tentar reativar a Misericórdia local, fundada em 1580 e inativa desde os anos 80 do século passado.

“Antes tinha ativo um hospital, que tinha até um aparelho de raio X que retirei dos escombros, e, por razões que eu desconheço, o hospital foi-se deteriorando e agora está uma parede só.” Um dos objetivos da reativação da Misericórdia é precisamente a recuperação e a gestão do seu património que se resume ao terreno do antigo hospital e à igreja. “Aliás, teremos de começar talvez por aí, porque ela precisa de reboque, um telhado novo. Como não tem isolamento térmico, no verão é muito quente e no inverno é muito fria.”

Em relação ao terreno do antigo hospital, “é preciso vendê-lo ou loteá-lo e depois, porventura, nos escombros do hospital, erguer alguma pequena parte dedicada ao arquivo da Misericórdia para ficar para a história, porque foi uma pena deixar cair aquele hospital.”

Para reativar a Misericórdia foi necessário criar uma comissão administrativa, “elaborar um livro de irmãos, que não existia, aprovar estatutos e aguardamos agora sua homologação por parte da diocese.” Já com órgãos sociais constituídos, o próximo passo será a inscrição da Misericórdia na Segurança Social e nas Finanças”, o que o provedor prevê venha a acontecer ainda este ano.

Com 111 irmãos, metade dos habitantes de Pedrógão Pequeno, a aldeia está empenhada na reativação da Misericórdia e em devolver-lhe a continuidade na sua história de 445 anos, os últimos 45 inativa. “Não percebi que vendaval passou por Pedrógão Pequeno, porque tudo isso se perdeu no tempo”, lamenta o padre José Afonso numa referência também às celebrações de culto que deixaram de se realizar e algumas já reativadas desde que chegou à aldeia, como a procissão de sexta-feira santa.

Voz das Misericórdias, Paula Brito Batista