São mais de 430 páginas, compostas pela reprodução de inúmeras fotografias, documentos, relatos e factos de uma história com 500 anos de dedicação à comunidade, voluntariado e resiliência, que dão forma ao livro editado pela Misericórdia de Marvão para assinalar esta importante data.

Em 2020 a Santa Casa de Marvão completou 500 anos de existência e este marco foi assinalado com a edição desta obra, da autoria do Professor Doutor Domingos Bucho, que preserva e perpetua a história da instituição e a sua evolução ao longo dos séculos. Como refere o provedor, António Silvério, é um importante contributo “para um melhor conhecimento e preservação da memória da instituição”.

O desafio de assinalar os 500 anos da Misericórdia com a edição de um livro partiu do autor em 2017, que se voluntariou para ajudar nesta tarefa, o que foi prontamente aceite pela Mesa Administrativa, que, segundo o provedor, entendeu “que seria uma forma de honrar o passado desta grande instituição, dando a conhecer o que foi meio milénio de trabalho ininterrupto ao serviço da comunidade”.

Falando do livro, o provedor refere que “resulta de um trabalho exaustivo de pesquisa e recolha de informações ao longo de três anos por parte do autor”. O resultado é uma narrativa “da história da nossa instituição desde o seu primeiro documento conhecido (1521) até aos nossos dias”.

A Misericórdia editou-o “porque a instituição merece, e quando digo instituição, refiro-me a todos e a cada um dos que sustentaram esta casa com o seu trabalho durante cinco séculos”, sublinha António Silvério, que manifesta o seu desejo de que “este aniversário dos 500 anos, durante a atual pandemia, seja um momento especial de reafirmação da nossa presença, com coragem e com júbilo, junto dos que mais precisam, como sempre aconteceu”.

O autor, Domingos Bucho, explica ao VM que a motivação para escrever este livro esteve “no facto de a nossa Misericórdia perfazer, pelo menos, 500 anos, o que é uma idade extraordinária para qualquer instituição, ainda mais para este tipo de irmandades cuja missão é o trabalho solidário e voluntário. Não dei conta de qualquer interrupção, o que no caso de Marvão até seria compreensível, devido às dificuldades de toda a ordem que se tiveram de enfrentar para manter uma comunidade em sítio tão inóspito”, constata, frisando que “é por isso que podemos considerar que o trabalho da Misericórdia, ao longo da história, foi decisivo para a sobrevivência da própria vila".

Relativamente ao processo de investigação que permitiu compilar toda a informação que podemos encontrar nesta obra, o autor relata que “aquilo que se salvou, da voragem dos tempos, em termos documentais, e que há relativamente pouco tempo se salvaguardou com a constituição do Arquivo Histórico Municipal, a partir de 1998, permitiu este registo de memória”.

“A história faz-se com a leitura e com a interpretação de documentos, logo, é preciso que estes existam e estejam disponíveis”, defende Domingos Bucho, sublinhando que “o fundo documental da Misericórdia, disponível no Arquivo Histórico Municipal, permite, por exemplo, ler as atas da Mesa desde o século XVII, o que fiz, com toda a paciência e interesse durante três anos. Também os documentos da contabilidade e os tombos das propriedades existem em quantidade e substância, o que nos permite saber como se sustentava a casa economicamente e por que vicissitudes passou séculos fora. Relativamente a testemunhos orais, só para os tempos mais próximos, como é óbvio, mas eu usei destas fontes para o caso do asilo”.

Questionado sobre a importância de perpetuar através desta obra a história da Misericórdia de Marvão, Domingos Bucho refere que “a nossa identidade tem uma constituição dinâmica que resulta de uma envolvência contínua do presente com o passado. Tentar compreender um sítio como Marvão, tão sui generis, ou um país como Portugal, de fronteiras tão antigas, sem ter presente a sua história, é uma impossibilidade”, assume o autor, denotando que “a história da Misericórdia de Marvão contribui de forma substancial para se compreender este sítio tão rico de evocações do passado. E é a tudo isto que se chama cultura e património, que são a base do desenvolvimento turístico, setor fundamental para o futuro de Marvão”.

Assumindo que é “impraticável resumir o livro, ou seja, 500 anos de história, numa resposta a uma entrevista”, o autor adianta que se trata “de um volume de grande formato, com a reprodução de incontáveis fotografias e documentos antigos, que convida o leitor, por exemplo, a conhecer o que era um hospital, em Marvão, em tempos recuados, nomeadamente em tempos de guerra: como funcionava, que doenças predominavam, como se tratavam. Que alimentação se praticava e quem a confecionava: imaginar-se-ia que se criaram porcos na cozinha no século XIX? Que funções tinha o hospitaleiro ou andante, que também encomendava diariamente as almas pelas ruas? Que particularidades tinha a função do enterramento dos defuntos e onde se praticava? Que apoio prestava a Misericórdia aos presos e aos "envergonhados"? De que vivia a Misericórdia? É possível conhecer as propriedades rústicas e urbanas de que a Santa Casa era proprietária? Pois o livro divulga-as todas. E sabia que a Misericórdia constituía como que a entidade bancária por excelência até ao século XIX, em termos de empréstimos? Quer saber os nomes dos principais mesários (provedores, escrivães e tesoureiros) que passaram pela direção? Pois é possível sabê-lo porque o livro os divulga, desde o século XVI”, conclui o autor.

Voz das Misericórdias, Patrícia Leitão