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- Medelim | Envolvimento dos mais jovens para salvaguardar o futuro
Medelim é uma aldeia com apenas 175 residentes, mas a Irmandade da Misericórdia local tem mais, cerca do dobro, irmãos do que a população que reside naquela localidade do concelho de Idanha-a-Nova. São 390 os irmãos da Santa Casa da Misericórdia de Medelim que existe, quase em exclusivo, para a preparação e a organização das manifestações de fé do período da Quaresma.
Este número de irmãos, para a provedora da instituição, Filipa Fonseca, diz bem do interesse em manter vivas as tradições e a Misericórdia que, apesar de ter mais de 300 anos, esteve durante muito tempo inativa, tendo retomado a atividade em 1981. Nestes 44 anos organiza, como os seus antepassados, as tradições ligadas à Quaresma.
É o caso da ‘Encomendação das Almas’ que se realiza todas as sextas-feiras à noite. Saem sempre às 23h. Faça frio ou caia chuva, o toque do sino da aldeia, às 11 da noite, é que dita o início da ‘Encomendação das Almas’. “O percurso é sempre feito em silêncio, só se ouve o cântico” e percorrem as ruas da aldeia parando em cinco pontos, “as cinco alminhas, que são pequenos altares, sendo que dois são em capelas: a capela de S. Sebastião e a capela da Misericórdia.” A procissão, que leva entre seis a dez pessoas, normalmente termina já depois da meia noite, todas as sextas-feiras, incluindo a sexta-feira santa que começa, logo cedo, com a ‘Adoração do Senhor’.
“Às 9h da manhã, a capela da Misericórdia fica escura e em silêncio. Só a luz de duas ou três velas deixa ver Nosso Senhor”, coberto com um lençol preto, deitado no chão, numa cama feita de alecrim, com um lençol de linho. O silêncio em que o templo mergulha, das 9h às 15h, ininterruptamente, só é quebrado pelas rezas das pessoas que entram para velar Cristo. “Entram, rezam e saem em silêncio”. É assim até o toque do sino da aldeia anunciar as 15 horas. “Ao segundo toque do sino das três da tarde é quando começa a Via Sacra no interior da capela.”
A ‘Adoração do Senhor’ termina com o fim da Via Sacra, mas das 9h e até ao final está sempre alguém da Misericórdia presente. “A capela está sempre aberta à população que entra, reza e sai”. A imagem de Cristo deitada, o cheiro do alecrim e a ténue luz das velas convidam à oração. Cada um gere o tempo que dedica à ‘Adoração do Senhor’ porque só a Via Sacra é feita em conjunto.
Em Medelim, a Misericórdia organiza também a ‘Procissão do Encontro’ que tem a particularidade de ser na quarta-feira que antecede a Páscoa. “Normalmente esta procissão é feita na quinta-feira, mas em Medelim sempre foi à quarta e vem muita gente de fora.”
Reza a tradição que o Senhor dos Passos seja vestido pelos homens e que Nossa Senhora seja vestida pelas mulheres. Os dois andores saem, ao mesmo tempo, da capela da Misericórdia, “mas um vai por um lado e o outro vai pelo outro”. A determinada altura haverão de se encontrar na aldeia, sempre no mesmo local, “é sempre na rua Vítor Pires Franco, à frente do mesmo balcão” onde, depois do sermão feito pelo pároco, os dois andores seguem juntos de regresso à capela. Da procissão só o Cântico da Verónica se perdeu, “fazia-se há muitos anos, perdeu-se, gostaria de retomar essa parte da procissão”, admite a provedora que ainda não desistiu. “Vou tentar, ainda há uma voz feminina que sabe o cântico, mas que não tem tido possibilidades de participar na procissão.”
O trabalho da Misericórdia nesta época é muito, “é uma altura muito intensa, de muito trabalho, preocupação, mas tem corrido sempre bem”. O esforço é compensado pela adesão da população às manifestações de fé e pelos visitantes.
A provedora da Santa Casa da Misericórdia de Medelim não acredita que estas manifestações acabem. “Não temos tido dificuldades em encontrar pessoas para fazer a procissão e quando fazemos as procissões tentamos envolver os mais jovens, levam os andores, e eles gostam, é uma motivação para salvaguardar o futuro.”
Passado o período da Quaresma, a Misericórdia organiza, pontualmente, concertos na capela, adequados ao espaço, e o encontro dos irmãos que realizam todos os anos. “Temos uma missa, almoço, uma palestra e um momento musical, é uma forma de estarmos juntos, falar, encontrar pessoas que já não se veem há muito, além de ser um encontro de famílias.”
Guardiã das tradições e do património a elas associado, a Misericórdia de Medelim tem ainda um terreno “onde cabe um projeto social”, mas numa aldeia com 175 habitantes onde já existem respostas sociais de lar e centro de dia, não se justifica. Filipa Fonseca, que é a primeira mulher provedora da Misericórdia de Medelim, não fecha a porta a promover projetos sociais “desde que se justifiquem”.
Voz das Misericórdias, Paula Brito Batista