O último dia do mês de junho foi uma data memorável para quase 400 crianças que passaram por um batismo náutico nas águas da Barragem da Caniçada, no Gerês.

Tendo como fundo uma paisagem paradisíaca, dois barcos se revezaram para proporcionar uma experiência de sonho a miúdos, mas também a deficientes e idosos pertencentes a diversas instituições.

Quem se aproximava da marina do Rio Caldo, na Caniçada, já notava que o dia seria especial, pois um grande toldo foi erguido caso as condições climatéricas assim o exigissem. Porém o que mais surpreendia era um autêntico parque de diversões montado no espaço adjacente, com dois grandes insufláveis, avistáveis de longe, um touro mecânico para as crianças mais ousadas e até mesmo um carrinho para fazer pipocas. Apesar de na altura a festa só estivesse a começar, muitas crianças já aproveitavam para ir às diversões, revezando-se com outras que cantavam e dançavam no palco de uma praça de alimentação albergada sob o toldo, enquanto um lanche era preparado para todos os participantes. Mas esta era só a primeira parte de um dia mágico para muitos que pela primeira vez teriam a oportunidade de passear de barco.

Toda a festa foi organizada pela Associação “Minhotos de Clichy”, capitaneada pelo empresário Miguel Pires, emigrante em França há 35 anos. Criada no ano 2000, a associação promove anualmente dois concertos na capital francesa para angariar fundos que permitam realizar estas ações em Portugal, mas também ajudar quem mais precisa em fronteiras mais distantes, tendo sido possível este ano doar ainda uma soma de 15 mil euros a uma instituição de solidariedade do Sudão do Sul. Em 2016 a associação realizou no aeródromo de Braga uma sessão de batismo de voo devotada para o mesmo público, mas este ano a escolha recaiu sobre a terra natal de Miguel. “Nasci e cresci aqui. Por que não fazer aqui nesta terra tão linda um passeio de barco para os miúdos?”.

A iniciativa contou com várias dezenas de voluntários e muitas parcerias, desde autarquias, com destaque para Câmara Municipal de Terras de Bouro, instituições como a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) ou a Cruz Vermelha Portuguesa, um alargado “pool” de empresas nacionais e estrangeiras, além de um nome muito especial: Cristiano Ronaldo, que doou as camisolas gravadas nas costas com a inscrição “CR7”, naquele que foi o uniforme dos participantes do evento.

Enquanto se esperava pelo momento mais aguardado da tarde, Manuel Tibo, presidente do município de Terras de Bouro, que disponibilizou um dos barcos utilizados no passeio, prestigiou o evento e quis deixar algumas palavras de apreço pela sua realização, sublinhando, entretanto, que “o mais importante é reconhecer a alegria espelhada no rosto de quem cá está hoje a participar desta atividade”. 

Numa altura em que o lanche já era servido, fomos conversar com o público: cruzámo-nos primeiro com Maria Pinto, educadora na associação Padre David, de Ruílhe, Braga, que trouxe 42 crianças. “Há dois anos participámos no batismo de voo e como gostámos muito, viemos de novo. É uma coisa muito boa para os meninos, uma coisa muito diferente”. Junto dela estão Maria Oliveira, de 13 anos e Margarida Barbosa de 14, utentes da instituição. “Já andámos de barco pela manhã”. Margarida confessa que já havia navegado antes, mas que “adorou” à mesma, fugindo ambas de seguida por conta da chegada de personagens mascaradas para interagir com as crianças.

Da Misericórdia de Arcos de Valdevez, uma das sete Santas Casas que aderiram ao evento, vieram 21 pessoas, entre crianças, deficientes e idosos. Maria Xavier, de 14 anos, utente da Casa de Acolhimento Cerqueira Gomes, deu-nos o seu testemunho. “Nós passamos muitos dias fora, mas desse jeito não. É muito diferente e divertido”. Já Joaquim Costa, de 60 anos, utente do centro de dia, contou-nos que não conhecia a região do Gerês e que o que mais valorizava era a oportunidade para conviver mais. E como às vezes as crianças nos surpreendem, quem veio falar connosco foi o Rafael, de 12 anos, de Braga, que se apresentou e nos contou espontaneamente que o que mais tinha gostado era do touro mecânico, onde já havia andado três vezes.

Mais um lote de participantes é chamado para o barco. Acompanhamos o grupo dos Arcos, a quem calhou a vez. Notava-se um nervosinho miúdo de utentes em cadeiras de rodas que deslizavam pelo passadiço, seguidos de outros miúdos ansiosos por também entrar e sentarem-se no barco. Apesar de alguma demora, este começa finalmente a mover-se para a excitação dos mais pequenos. Ainda que as condições meteorológicas não fossem as melhores, já que a tarde esteve pontilhada por aguaceiros, a animação não resfriou e para além da paisagem estava ainda reservada uma surpresa. O barco de repente parou e um dos marinheiros informou que a residência numa das margens é a casa de Cristiano Ronaldo, para o deleite dos jovens mais aficionados ao futebol.

Depois de quase quarenta minutos a navegar, estamos de volta, e ainda nos aguardava um espetáculo do cantor Zé Amaro, mais um dos que apadrinharam a festa. A organização do evento promete voltar para o ano, embora ainda não se conheça o formato da próxima edição. Certeza, porém, há uma: as crianças voltarão a sonhar e a ter um dia memorável para guardarem consigo na recordação, conforme nos promete Miguel Pires.

Voz das Misericórdias, Alexandre Rocha