Recuperar a memória de um edifício que se cruza com a história de Ponte da Barca, dando vida aos espaços, objetos e seus protagonistas, foi o ponto de partida de uma exposição interativa, disponível ao público no hospital da Misericórdia, entre finais de 2018 e 31 de janeiro de 2019.

Mais de mil visitantes, da comunidade escolar, instituições e população em geral, passaram pelos corredores do antigo hospital para conhecer os espaços onde foram recriados o consultório médico, enfermaria, capela e serviços administrativos, com recurso a figurantes, fotografias antigas e ecrãs táteis com testemunhos da comunidade. 

Satisfeito com a “enorme adesão da comunidade”, o provedor Rui Folha Gomes referiu que o objetivo da iniciativa foi “enriquecer a memória dos barquenses e procurar devolver o hospital da Misericórdia a quem durante décadas contribuiu para a sua construção”. Mas não pretende ficar por aqui. Depois de desmontada a exposição, a ideia é dar continuidade ao trabalho de investigação iniciado pela equipa do Gabinete de Património, Cultura e Comunicação.

A organização desta exposição motivou um levantamento de dados exaustivo, coordenado pela mesária Carla Barbosa, que permitiu apurar mais de nove mil registos relativos a internamentos no hospital, entre 1890 e 1950. “Estes dados vão permitir traçar o perfil do doente e, no fundo, do habitante do concelho, a partir de informações como o estado civil, ocupação profissional e doenças. Encontrámos cerca de 220 moléstias [doenças] diferentes, relacionadas sobretudo com problemas de alimentação e pobreza”, explicou.

No sótão do atual lar de idosos, instalado no edifício primitivo do hospital, foi ainda possível encontrar quadros da antiga galeria de beneméritos, dez caixas com documentação avulsa e mais de 150 peças de material cirúrgico, que integraram a narrativa da exposição. 

Os preparativos iniciaram-se meses antes, no âmbito das comemorações do 270º aniversário do hospital, e envolveram a consulta de publicações da imprensa local (“Povo da Barca”) e de “fontes diretas”, para complementar a informação encontrada no arquivo da instituição. “Temos um arquivo muito rico, que ainda está pouco estudado, à semelhança do arquivo municipal. E há poucos estudos publicados o que torna o meu trabalho difícil por não poder cruzar dados e fontes”, explicou a mesária Carla Barbosa. 

Tratando-se de um período pouco estudado na região, a investigadora decidiu solicitar a colaboração da comunidade no envio de fotografias e partilha de histórias relacionadas com o antigo hospital, num processo de “reconstituição histórica coletiva”. Neste âmbito, os barquenses que nasceram neste edifício até 1971, tiveram a oportunidade de levantar o seu certificado de nascimento, extraído do livro de registos de entrada no hospital. 

Tornar a exposição apelativa ao público jovem foi outra das preocupações da instituição neste processo. E para tal foi determinante a colaboração da associação “Os Canários de Bravães” e do encenador Jaime Ferreri, que convidou atores e figurantes reais, como Prazeres Martins, antiga funcionária que agora reside no lar de idosos, a reconstituir o quotidiano do hospital.

“Quisemos recriar o espaço de forma fiel e verdadeira e destacar o papel de figuras como as Irmãs Hospitaleiras, que asseguraram os cuidados de enfermagem, gestão corrente e coordenação dos serviços gerais, entre 1920 e 1970”, justificou o provedor. 

A atividade hospitalar teve início em 1748, num espaço adjacente à igreja da Misericórdia, com apenas duas camas permanentes, o que levava a instituição a prestar cuidados de saúde no domicílio para cumprimento de uma das obras de misericórdia. Só anos mais tarde, no final do século XIX, avança a construção de um novo edifício, que garante as “condições mínimas de funcionamento” e assegura um “salto qualitativo” nos cuidados prestados à população. “O hospital foi uma referência nos anos 1950/60 e chegou a ser um dos mais apetrechados da região”, lembra Rui Folha Gomes.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas