O som das rodas do trolley no corredor anuncia a chegada de novas leituras. Na sala de convívio do lar da Misericórdia de Porto de Mós, os utentes param os trabalhos que estão a preparar para o Dia Internacional da Mulher e focam a sua atenção na seleção de livros que a Biblioteca Municipal faz chegar à instituição, através do projeto ‘Bibliomalas’.

Alice Narciso, de 83 anos, não se faz rogada e vai mexendo e remexendo no conteúdo da mala de viagem. A sua atenção acaba por recair num exemplar de ‘Os descobridores Portugueses dos quatro cantos do mundo’. "É capaz de ser interessante", antevê, enquanto recomenda um livro à colega do lado, intitulado ‘Tisanas, Mezinhas e Benzeduras’.

"Todos os dias leio um pouco. Antes, já tinha o hábito de ir à biblioteca", conta a utente, enquanto aguarda que Rosário Caetana, a funcionária da biblioteca afeta ao projeto, vá buscar um ou dois livros mais do seu agrado. "Gosta sobretudo de autores portugueses, como José Rodrigues dos Santos, Júlio Magalhães ou Fátima Lopes", desvenda a bibliotecária, que já conhece os gostos de Alice Narciso, do tempo em que esta era utente regular da Biblioteca Municipal de Porto de Mós.

Nesta visita do ‘Bibliomalas’ à Misericórdia de Porto de Mós há um outro reencontro. Rosário Caetano volta ao contato com aquela que foi, durante anos, "uma das utilizadoras mais assíduas" da biblioteca: Emília Fonseca. Enquanto a saúde permitiu, percorria a pé quase quatro quilómetros - dois para cada lado – para ir levantar e entregar livros. "Pedia sempre um pequenino e levezinho", recorda a bibliotecária. "Como gosto de ler deitada na cama, um pesado não dá muito jeito", justifica a utente, de 97 anos, recém-chegada ao lar da Misericórdia, onde foi surpreendida com a visita da biblioteca através do projeto ‘Bibliomalas’.

"Antes era eu que ia até ela. Agora, é ela que vem até a mim", constata Emília Fonseca, com um sorriso no rosto, enquanto vai escolhendo uma publicação que lhe faça companhia. Dentro de um mês, a mala voltará com novos livros e revistas, selecionadas "de acordo com as indicações" dadas pela instituição, em consonância com os utentes.

Segundo Quirina Ribeiro, educadora social da Misericórdia, no topo das preferências estão "revistas de crochê e de bordados e livros sobre tradição oral, como lengalengas, e histórias mais simples e com imagens". Há também quem aprecie as publicações sobre culinária, para "recordar outros tempos e as receitas que faziam em casa", refere a técnica. "Agora, já não vamos para a cozinha, mas reavivamos memórias", confirma Alice Narciso, enquanto retira da ‘Bibliomalas’ um livro sobre aproveitamento de sobras. "Nalgum tempo, tinha dado jeito", diz.

Margarida Vieira, diretora da Biblioteca Municipal, explica que o ‘Bibliomalas’ “surgiu da vontade de abranger a população idosa com os serviços da instituição, incentivando o prazer e o gosto de ler, contribuindo, deste modo, para o envelhecimento ativo". Cada mala transporta um conjunto de documentos, desde livros, filmes, revistas e CD, que são distribuídos uma vez por mês nos lares e centros de dia do concelho.

"É uma experiência de partilha de leitura e de afeto, que funciona também como uma ligação das instituições e dos seus utentes ao mundo exterior", acrescenta Eduardo Amaral, vereador da Cultura na Câmara de Porto de Mós.

Também Cláudia Braga, diretora de Serviços da Misericórdia, destaca a importância de projetos que estimulem a ligação da instituição à comunidade, como é o caso do ‘Bibliomalas’. "Iniciativas como esta ajudam a quebrar as rotinas", reforça Quirina Ribeiro, salientando ainda o facto de o projeto proporcionar "uma aproximação" das colaboradoras da instituição à leitura. "A mala fica na sala e algumas funcionárias acabam também por a utilizar. É, sem dúvida, uma mais-valia para a nossa organização", atesta a educadora social, enquanto Rosário Caetana se despede até à próxima visita da ‘Bibliomalas’.

 

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva