Depois de quase dois anos fechada, a igreja da Misericórdia da Redinha, no concelho de Pombal, reabriu no final de setembro, após obras de requalificação. A intervenção totalizou 111 mil euros e permitiu resolver problemas “estruturais” do edifício e devolver o templo à comunidade.

“O propósito do restauro vai muito além da estrutura física. Criou-se mais conforto para a população e para o apoio às cerimónias fúnebres para as quais é solicitada e restituiu-se a igreja à comunidade, também através da exposição de espólio artístico e documental”, salientou o provedor Mário Sacramento, durante a inauguração das obras.

Em declarações ao VM, o dirigente recordou que esta era uma intervenção “há muito desejada” e incluída em sucessivos planos de atividades da irmandade, mas que foi sendo adiada, porque “havia sempre outras prioridades” na área da assistência social.

Desta vez, foi possível graças a uma candidatura ao Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020, contemplada com um apoio de 90 mil euros. Segundo o provedor, os trabalhos incluíram a colocação de uma nova cobertura, a recuperação de cantarias, a instalação de iluminação LED e de um kit fotovoltaico e ainda a substituição de rebocos, portas e janelas. Para uma segunda fase ficou o restauro do retábulo sobre o altar, o esquife e a bandeira da irmandade. “Teremos de aguardar por um novo fundo, porque não podemos avançar por nossa conta”, assume o dirigente.

Durante a inauguração, o presidente da Câmara de Pombal, Pedro Pimpão, destacou o impacto deste tipo de investimento na “qualificação” e na “atratividade” dos territórios. “A Redinha ganha um novo ponto de interesse e isso é bom não só para a freguesia, mas também para o concelho e até para a região”, sublinhou o autarca, salientando a importância da “combinação do património e da cultura” para os fluxos turísticos.

Por seu lado, David Leandro, diretor executivo da associação de desenvolvimento Terras de Sicó, entidade que gere fundos do PDR 2020, destacou o contributo desta oferta na valorização do mundo rural. “São espaços pequenos, mas que criam atratividade. O espaço ficará aberto à população e é mais um legado que o programa deixa no território”, enfatizou.

 

SINO ‘RARO’ MUSEALIZADO

A igreja irá dispor de um núcleo museológico para expor algum do espólio da irmandade, onde se inclui o sino, datado de 1670. “É um exemplar raro”, realçou Rodrigo Teodoro de Paula, durante o colóquio ‘A Misericórdia da Redinha - História, Arte e Património’, iniciativa que marcou a reabertura da igreja.

Na ocasião, o investigador revelou que este será um dos sinos “mais antigos” de Portugal e que a representação da Virgem com manto protetor que nele se encontra “é raríssima” e faz deste um exemplar “especial”.

Já restaurado, o sino será agora musealizado. A ideia, explica Rodrigo de Paula, é que “não fique numa redoma”, mas que as pessoas possam ouvir o seu som. “Queremos que seja audível”, assegura o provedor, reconhecendo que esta é uma peça “importante” para a Misericórdia.

 

HISTÓRIA, ARTE E PATRIMÓNIO

Com coordenação de Ricardo Pessa de Oliveira, autor de um livro sobre a história da instituição, o colóquio marcou o início do programa cultural que será dinamizado na igreja, onde caberão atividades como exposições, música e conferências. Segundo o provedor, o objetivo é que o espaço funcione como um “polo de difusão cultural”.

Neste primeiro colóquio, Ricardo Pessa de Oliveira conduziu os participantes pelos quase quatro séculos da Misericórdia da Redinha, fundada em 1642, que “nunca viveu muito desafogada” e que, “em muitos momentos da sua história”, se debateu com “falta de homens” para a dinamizarem.

Já Diana Pereira, doutorada em História da Arte, focou-se na prática de vestir imagens religiosas, que remonta à Idade Média e que era usada por vários motivos, desde o encobrimento de defeitos das peças, passando pela utilização da roupa como relíquia até ao enriquecimento das esculturas. Na sua intervenção, a investigadora deixou o desafio para que seja efetuada uma recolha de memórias orais em torno do culto de Nossa Senhora da Soledade da Redinha e da prática de vestir a imagem. “As pessoas da terra são um arquivo a ter em conta”, defendeu.

O colóquio contou também com a participação da investigadora Joana Pinho, que falou da “casa” da irmandade da Redinha, um bloco único datado do século XVII, formado por igreja, sacristia e casa do despacho, no contexto da arquitetura das Misericórdias.

A encerrar as intervenções, o historiador Vítor Serrão abordou a importância da iconografia da Mater Omnia (ou Virgem do Manto ou Nossa Senhora da Misericórdia), que constitui uma das temáticas “mais significativas” da história da arte portuguesa, “dada a quantidade de espécimes produzidos desde 1500” até aos nossos dias em pintura, escultura, azulejo, gravura, talha e outros materiais.

 

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva