Luís Gonçalves Ferreira tem 30 anos, é doutorando na Universidade do Minho e já foi distinguido pela Academia Portuguesa da História

Luís Gonçalves Ferreira mal completou os 30 anos, mas já tem “muita história para contar”: o jovem doutorando em História na Universidade do Minho é o mais recente ganhador do Prémio “Lusitania”, atribuído pela Academia Portuguesa da História. A obra premiada foi a sua tese de mestrado, intitulada “Vestidos de Caridade: Assistência, pobreza e indumentária na Idade Moderna. O caso da Misericórdia de Braga”, editada pela Editora Húmus e pela Santa Casa da Misericórdia de Braga.

Mas a trajetória de Luís nem sempre esteve ligada à história. Nascido em Vila Verde, inicia em 2008 a licenciatura em direito, curso no qual evolui durante quatro anos, mas não chega a completar por não se sentir “realizado”, como refere. Literalmente o seu “caminho” não era por ali e no seio da família estava já o cerne que o levaria a iniciar um mestrado na área de história, depois de um interregno de dois anos, altura em que trabalhou como secretário numa empresa de materiais de construção. Sem nunca, porém, perder o seu vínculo ao negócio familiar, muito tradicional, que aluga vestuário de anjos e figuras bíblicas para procissões: “É um trabalho que não só leva a conhecer todo o território continental português, como nos coloca em contacto próximo com a religiosidade popular, muito diversificada e rica do ponto de vista cultural e humano”, conta-nos Luís.

Todavia, as raízes são bem mais profundas e remontam a 1960, quando a sua avó materna criou um pequeno negócio de trajes e objetos de arte sacra. “Ela era costureira de profissão, filha de um ‘armador’ de caixões que começou, por proposta do pai, a fazer alguns fatos de anjo para as procissões. É, aliás, à minha avó a quem dedico o meu livro como forma de destacar a importância do trabalho dos ‘anjinhos’ na minha capacidade de compreender o mundo dos têxteis e da indumentária e de os problematizar enquanto realidades históricas e socioculturais”, refere o atual investigador. Para Luís, não há dúvidas de que a ligação familiar foi “determinante no olhar sobre as culturas do vestuário do Antigo Regime”, treinando-o para “como a roupa permitia delimitar as aparências e construir realidades que não existem do ponto de vista ontológico”.

Voltou à universidade com o desejo de “capitalizar” a sua experiência e a do negócio da família no plano da investigação como conhecimento académico. Apesar dos prazos para as inscrições estarem já ultrapassados, quis o destino que conseguisse ainda assim ser aceite na licenciatura de história, ganhando três bolsas de excelência da Universidade do Minho. A prossecução dos estudos para o mestrado foi bastante natural e passou a ser orientado pela professora Marta Lobo, especialista na história das Misericórdias e da assistência em Portugal. “O projeto foi construído assente na análise de dois grupos documentais: os livros de atas e os gastos com a roupa dos assalariados e a análise das mortalhas dadas aos pobres. A investigação documental realizou-se maioritariamente no Arquivo Distrital de Braga, que custodia a documentação da Santa Casa”.

A tese foi defendida em finais de 2019. No ano seguinte é surpreendido pela intenção da Santa Casa da Misericórdia de Braga de patrocinar a publicação da sua dissertação, em convite endereçado pelo provedor Bernardo Reis. “Sinto que a Misericórdia local está atenta e sensível ao trabalho histórico desenvolvido por jovens e tem, ao longo dos anos de mandato desta provedoria, desenvolvido um papel importantíssimo na valorização do conhecimento histórico e patrimonial da sua instituição”, frisa o autor.

Mais tarde, inscreveu o trabalho no concurso anual aberto pela Academia Portuguesa da História, contudo, sem grandes expectativas, pois os prémios deste género, como refere, visam “galardoar historiadores com carreiras longas e consolidadas”. A academia, entretanto, não teve dúvidas em atribuir-lhe o prémio.

Trabalho dedicado à avó

Luís Gonçalves Ferreira dedicou o trabalho distinguido pela Academia Portuguesa da História à sua avó, que costurava fatos de anjo para as procissões, tendo sido por isso “determinante no olhar sobre as culturas do vestuário do Antigo Regime” do autor, treinando-o para “como a roupa permitia delimitar as aparências e construir realidades que não existem do ponto de vista ontológico”.

Pesquisa tem bolsa da FCT

Atualmente, Luís prossegue os estudos doutorais, conforme já referido, com um projeto intitulado “Pobres, doentes e esfarrapados? Indumentária de pobres no contexto assistencial urbano do Porto e Lisboa (séculos XVII e XVIII)”, continuando a ser orientado pela professora Marta Lobo, tendo o seu trabalho merecido a atribuição de uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Voz das Misericórdias, Alexandre Rocha