Quando foi renovar a carta de condução, o médico perguntou se podia fazer uma flexão. António Carmo Teixeira fez três. Resultado: carta de condução renovada até aos 102 anos. O nosso entrevistado desta edição é um exemplo raro de vitalidade. Faz caminhadas diárias, almoços e jantares com amigos e confrarias, férias sozinho, mas com a companhia de um bom livro, romances, de preferência. O jornal Voz das Misericórdias (VM) esteve com António Carmo Teixeira nas Residências Seniores Conde das Devezas, da Santa Casa da Misericórdia de Gaia.

Nascido em 1923, na freguesia da Sé do Porto, na Rua do Sol, diz com orgulho ser “tripeiro de gema”. Da infância, recorda as brincadeiras próprias de uma criança da época. Jogar à bola na rua pois, raramente, passava um carro.

Outra lembrança - bastante curiosa - dos tempos idos tem a ver com a sua participação em funerais.  “Havia muitos funerais na altura, e particularmente de crianças. Mas gostávamos de ir porque nos davam bolachas”, conta a sorrir.

Na escola da Ordem do Terço fez o ensino primário com distinção. Aluno regular, transitou para o Liceu Alexandre Herculano, onde concluiu os estudos sem problemas. Em Castelo de Paiva, terra natal dos seus progenitores, passava os verões e todos os períodos de férias. Homem das ciências, prosseguiu os estudos superiores em Engenharia. Curso que acabou interrompido quando outra paixão falou mais alto.

“Durante as férias vi um anúncio que falava de um concurso para os correios. E pensei: vou trabalhar e estudar para ganhar umas coroas”, relata António Carmo Teixeira. Passou nas provas de admissão, fez todos os estágios necessários e pouco tempo depois estava a trabalhar na Estação Central Telegráfica do Porto.

“Era muito giro porque nos permitia falar com um colega que estivesse em Chaves, em Bragança, Vila Real ou noutro local. Apaixonei-me por isto e decidi que não ia continuar os estudos”, explica.

Do código de Morse “muito vagaroso” passou para os modernos, à época, “teleimpressores”. António Carmo Teixeira foi dos primeiros, em Portugal, a aprender a técnica. Depois, coube-lhe ensinar outros colegas espalhados pelo país.

Concurso atrás concurso, Carmo Teixeira foi “subindo a escadinha”, sendo promovido, regularmente, na carreira. A paixão pelo serviço crescia. O mérito era reconhecido. De norte a sul do país, nas ilhas e além-fronteiras, este centenário era, repetidamente, requisitado para formar, ensinar, apoiar e resolver problemas.

“Quando havia problemas nalguma estação eu não mandava ninguém, eu próprio lá ia”, explica ao VM, garantindo que tinha sempre a mala feita. A seu lado tinha alguém que o compreendia. “Conheci a minha esposa no concurso para os correios. Depois passou a ser o meu braço direito. Uma excelente funcionária”, recorda Carmo Teixeira, viúvo desde 2006.

Esteve ao serviço dos Correios até completar 70 anos, idade limite no setor. Quando se aposentou, pediram que ficasse a colaborar. Aceitou com uma condição: “Fico, mas não me pagam nada”. Ali continuou por mais três anos. Uma dedicação que lhe mereceu diversos louvores. Destaca a medalha de mérito de prata, louvor instituído pelo Rei D. Carlos, e mais tarde a medalha de mérito ouro, entregue pelo professor Cavaco Silva. “Curiosamente, sou o único que possui estes dois louvores em simultâneo”, sublinha.

“Nunca estar quieto” é, para António Carmo, um dos segredos da sua vitalidade. A este fator soma o cuidado com a forma física. “Todos os dias, pela manhã, faço a minha caminhada junto à praia de Lavadores. Dez a doze mil passos diários”, aponta.

Aos 87 anos aprendeu informática. Dono de uma agenda repleta, confessa ter os dias bastante preenchidos. Do café com amigos, às almoçaradas com a Confraria do Vinho Fino, António Carmo Teixeira não para. Uma vez por ano faz o seu check-up. “Mostrei as análises ao nosso médico e ele pediu-me para lhe escrever o que faço para ter estes resultados”, graceja.

A leitura do jornal é prática diária e não prescinde da companhia de um bom livro. “Tenho ali dois romances para ler”, nota. Há 32 anos nas Residências Seniores Conde das Devezas, da Misericórdia de Gaia, é o mais antigo da estrutura. “Vivo livre, no meu apartamento. Na minha casa”, conclui.

 

Vera Campos, Voz das Misericórdias