Helena Pedrosa, 40 anos, é psicóloga e responsável pela reabilitação neuropsicológica na Unidade de Cuidados Continuados Bento XVI (UMP), em Fátima, desde o primeiro ano de funcionamento.

Em 2021, deparou-se com um desafio inesperado, que colocou à prova os sólidos alicerces pessoais e profissionais: um vírus que entrou na sua casa de afetos e aprendizagem diária. Na transição para 2021, a perspetiva de um “novo ano cheio de esperança, com a reativação de algumas atividades, caiu por terra”. Depois de meses a fio a implementar medidas de proteção contra a Covid-19, depararam-se com os primeiros casos de infeção. “Foi um balde de água fria depois de um caminho extenuante de aprendizagem e reorganização”.

Só nesse momento a ameaça, que pairava sobre todos, se tornou real e concreta. “Todos nós já estivemos confinados, mas nada se compara à vivência de um surto e à gestão prática de toda a incerteza. É muito intenso gerir a preocupação com os profissionais e famílias que estão em casa e encontrar pontos de comunicação no caos, mesmo que controlado”.

Todos uniram esforços e foram parte integrante da solução, desempenhando, nalguns casos, papéis inéditos, lembra a psicóloga. “Eu estive lá, como toda a gente, para apoiar no que fosse necessário, mas fui apenas uma gotinha. Sem a contribuição de todos seria incomportável”.

Em casa, as mudanças sucederam-se em catadupa. Passou a dormir num quarto isolado, a andar de máscara e a evitar proximidade com os filhos. A filha mais nova, habitualmente entregue aos cuidados dos avós, passou a residir nessa morada para evitar a transmissão do vírus.
Mas a principal mudança aconteceu no final de janeiro quando soube que estava infetada. Ao segundo dia de sintomas marcou o teste de diagnóstico e ficou confinada ao quarto. Todos testaram positivo, exceto o marido.

A notícia do diagnóstico, que a impediu de estar junto da equipa, foi recebida com consternação. “Foi uma desilusão e sensação de impotência não poder lá estar, senti que estava a falhar-lhes, por isso agarrei-me às tarefas que conseguia desempenhar em casa”.

Durante os 20 dias de isolamento, ficou responsável pela comunicação e apoio às famílias dos utentes, papel assumido desde o início de janeiro. Começava por ligar às equipas de enfermagem para obter a informação clínica relevante e organizava uma escala de telefonemas com os familiares. “As famílias, por um lado, estavam sedentas para saber a evolução da doença e ter a noção da estabilidade do doente, por outro, queriam saber se os utentes estavam tranquilos, felizes, se se alimentavam bem e pediam para fazer contacto direto por videochamada”, detalha.

Nos bastidores e intervalos dos telefonemas, decorriam as brincadeiras dos filhos, com idades entre os 8 e 11 anos, as refeições e tarefas domésticas. Um exercício de “malabarismo” que só foi possível definindo regras: não interromper telefonemas, ajudar a dobrar meias, pôr a mesa e tirar a loiça da máquina, com a recompensa de um jogo de tabuleiro ou outro momento de confraternização no final da jornada de trabalho.

“A gestão não é perfeita e há dias imprevisíveis, mas tenho a sorte de ser uma pessoa positiva e tentar focar-me nas soluções e não tanto nos sentimentos negativos”, partilhou dias antes de regressar à unidade onde cresceu como profissional nos últimos oito anos e para o qual projeta metas de desenvolvimento contínuo, ao lado de uma jovem equipa promissora. “Na UCC Bento XVI há uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional muito grande porque podemos acompanhar o percurso dos doentes a tempo inteiro, estabilizá-los, ajudar as famílias a entendê-los e a comunicar com eles de forma mais positiva. O facto de estarmos integrados numa equipa multidisciplinar é muito enriquecedor porque podemos conhecer práticas de áreas complementares, em que o resultado coletivo é muito superior”, partilha.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas