E quem diz sonhos, diz desafios. O último envolveu pedais, rodas e cabelos ao vento. Esta “tripeira de gema”, como gosta de se apelidar, andou de bicicleta pela primeira vez em 89 anos. “Gostei muito, mas ainda vou melhorar com as próximas aulas”, conta ao VM.
Estamos numa das ERPI da Misericórdia do Porto. Há sete anos, na sequência de um AVC, Rosa Isaura Martins necessitou acompanhamento e fisioterapia diária. “Vivia com o meu filho, mas com a necessidade de apoio constante, vim para aqui e sou muito feliz. São a minha segunda família”, confessa. Nascida na freguesia de Santo Ildefonso, Porto, em dezembro de 1935, numa família de três filhos, os seus pais cedo viram a importância dos estudos.
Esta octogenária fez o curso complementar de comércio, trabalhou nos CTT e depois na, então, Portugal Telecom. “Era para tirar economia, mas ainda não havia faculdade no Porto”, continua, ao mesmo tempo que diz “sou muito boa a matemática, não sou?”, pergunta aos elementos da equipa que a acompanham. Outrora, assim como hoje, sempre gostou de passear. Um gosto que a levou a percorrer a Europa. “Conheço toda a Europa. Gostei de Paris, gostei de Istambul também. Já fui a Roma, ao Vaticano e à Basílica de São Pedro”, relata de forma entusiasta. E onde gostava de ir mais, perguntamos? “Gostava de ir ao Brasil. Tenho uma sobrinha que está casada com o meu sobrinho que vive na Holanda, mas que é do Cazaquistão. Eu tinha possibilidade de ir ao Cazaquistão, tinha possibilidade de ir à Holanda, outra vez, mas não ando de avião, não vou. Nunca andei, tenho medo”. Mas quem sabe não será mais um desafio a superar?
Continuamos fascinados a ouvir Rosa Isaura Martins. “Eu sinto-me com 40 anos de idade. Não tenho limitações. Tenho muita força em mim”. Recuamos até à mocidade e aqui deliciamo-nos e rimos com outras aventuras e histórias. “Eu adorava praia. Eu trabalhava, entrava às quatro e meia da manhã, e saía às oito, oito e meia. Eu e as minhas colegas trazíamos o fato do banho e toca para a praia. Estávamos lá todo o dia, até chegar novamente a hora de trabalhar, por volta das sete da tarde. E, uma vez, eu estava a furar ondas, gosto muito de furar ondas, levava o biquíni, veio uma onda e tirou-me o sutiã. As minhas colegas estavam na margem, viram e foram buscar uma toalha”, recorda entre gargalhadas.
Mantém o gosto pela água e ainda recentemente, numa atividade da ERPI, esteve na piscina ao ar livre de Canide. Fã confessa de uma boa ópera, já assistiu a várias. “Gosto muito de cantar, mas gosto mais de ópera. Tinha uns sete ou oito anos e fui ver a Lucia de Lammermoor com o Beniamino Gigli, no Coliseu do Porto. Também vi as Bodas de Fígaro e a Carmen de Bizet”, lembra. Rosa tem uma memória invejável. Mantém o gosto pela cultura e, por isso, não perde a leitura de um livro, de um jornal e de ouvir boa música. “A nossa cabeça tem de estar sempre ocupada e aqui preparam-nos atividades para não passarmos o dia sentadas no sofá ou a ver televisão. Adoro um bom programa de cultura geral”, revela.
O que adora também é a família. Os olhos brilham quando fala do filho, da neta e da nora. “São meus amigos. Ao domingo vêm buscar-me e passamos o dia juntos. A minha neta é uma traquina. É esperta como um raio. Sabe nadar, andar de bicicleta. Anda a aprender surf. É karateca, judoca. Anda no boxe. Anda de trotinete. Anda de skate. Ela faz tudo”, sorri. “O meu filho liga-me todos os dias e a minha nora compra-me roupa e preocupa-se muito comigo. Tenho muita sorte”, sustenta.
Voz das Misericórdias, Vera Campos