Rosário Freixa, 48 anos, foi a primeira utente da unidade de cuidados continuados da Misericórdia de Mora a ser vacinada no dia 06 de janeiro. A estreia, com honras mediáticas, gerou apreensão, por ter de falar diante das câmaras, e entusiasmo pela oportunidade de ficar imune ao vírus que tantas limitações lhe impôs no último ano. “Fiquei contente por ter sido escolhida e não tive medo, já experimentei tantos tratamentos diferentes que tive de aprender a perder o medo”, confessou dias mais tarde em conversa com o VM.

Diagnosticada com esclerose múltipla aos 16 anos, Rosário aprendeu cedo a enfrentar os medos e a não vacilar perante as adversidades. A infância em Montemor-o-Novo foi vivida em “liberdade a brincar na rua” com os irmãos, entre corridas, acrobacias e aventuras próprias da idade. “Gostava de correr na rua, jogar ao galo, fazer a ponte, preferia brincadeiras de rapaz”.

Os estudos foram repartidos entre a terra natal e a capital de distrito, Évora, onde frequentou um curso de secretariado que não lhe garantiu emprego imediato. “Era difícil arranjar trabalho na altura, cheguei a trabalhar num café”. Na pausa entre estudos, a jovem conheceu o rapaz que viria a ser marido e pai do seu filho. “Conheci o meu marido na escola, em Montemor, e começámos a namorar com 15 anos. O meu pai não aceitou muito bem, era muito protetor”.

O diagnóstico de esclerose múltipla chegou no auge da adolescência e trouxe um oceano de incertezas. Perante os sintomas da doença desconhecida, numa idade onde a vitalidade e saúde estão garantidas, a primeira coisa que lhe ocorreu foi: “tive um AVC”. A ressonância magnética revelou tratar-se de uma doença neurológica sem cura. O diagnóstico que ninguém quer ouvir. “A minha mãe chorava e eu ria, em choque, nunca tinha ouvido falar nisto”.

Após o surto que lhe retirou temporariamente a mobilidade do braço e perna esquerda, seguiu-se um período de remissão com recuperação das capacidades perdidas e início do tratamento com cortisona, que a viria a acompanhar muitos anos.

O regresso a casa tornou definitiva a nova realidade e ditou um novo rumo à sua vida. “Tive de aprender a viver com a doença, infelizmente não há cura. Fiquei muito revoltada por me ter calhado a mim, era tão nova”. Decidiu então que “baixar os braços não era solução”.

Depois deste choque, os médicos disseram-lhe que aquela era a última oportunidade de ter filhos, antes de progredir a doença. Não tinha pensado ser mãe tão nova, mas decidiu avançar. “Acabou por ser uma bênção na altura porque na gravidez não temos sintomas da doença”, recorda. Nasceu então o único filho, que agora vê somente pelo telefone, devido à pandemia.

As rotinas na unidade de cuidados continuados, onde está há pouco mais de um ano, limitam-se agora a exercícios de fisioterapia, jogos de palavras no computador e ver televisão no quarto. Não pode sair para beber café, passear no exterior ou receber visitas da família.

Já passou por vários internamentos em hospitais ou unidades de cuidados continuados, na sequência de surtos, mas reconhece que este “último foi o pior, deitou-me muito abaixo”. Agora, além da dormência nas mãos e rigidez muscular, que ameniza com fisioterapia, tem dificuldade em andar sem apoio de um andarilho ou cadeira de rodas. Mas não desiste da recuperação da marcha.

Em todo este processo de aprendizagem e aceitação de uma doença sem retorno, confessa que o que mais lhe custa “é estar limitada e dependente dos outros”. “Eu ia a todo o lado ter com amigos e agora tenho de pedir a alguém para levar, é uma sensação horrível. As ruas ainda não estão adaptadas a cadeiras de rodas e para distâncias maiores preciso da cadeira”.

Entre as limitações do corpo e, mais recentemente, as restrições de contacto e circulação impostas pela pandemia, Rosário Freixa opta por “focar-se na solução e não no problema”. Lutar sem se entregar à doença, mesmo nos dias em que a esperança é um fio ténue. A vacina agora faz parte desse novo futuro.

Diagnóstico
e tratamento
com 16 anos

Rosário Freixa foi diagnosticada com esclerose múltipla aos 16 anos, depois de um surto que lhe paralisou temporariamente o braço e perna esquerdo. Seguiu-se um período de remissão da doença, com recuperação das capacidades perdidas e início do tratamento com cortisona, que a viria a acompanhar muitos anos. Nas últimas décadas, passou por vários internamentos em hospitais ou unidades de cuidados continuados para fazer reabilitação sem nunca “desistir de lutar contra a doença”.

Limitações
do corpo
e do vírus

A alentejana, natural de Montemor-o-Novo, chegou à unidade da Misericórdia de Mora há pouco mais de um ano, na sequência de um surto que lhe limitou a marcha. As suas rotinas incluem fisioterapia, terapia ocupacional, atividades de animação e lazer, mas nos últimos meses tudo mudou com as medidas de segurança para conter a transmissão do vírus SARS-CoV-2. Agora não pode sair para beber café ou receber visitas da família. Encara por isso o arranque da vacinação com expetativa.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas