Exposição da Casa Abrigo D. Maria Magalhães, da Misericórdia de Santo Tirso, esteve patente durante o mês de abril no Porto

São mulheres guerreiras, resilientes e um exemplo a seguir. O estrato social aqui não conta. Casadas, solteiras, divorciadas, jovens ou velhas, todas têm em comum o mesmo denominador: vítimas de violência doméstica e foram acolhidas na Casa Abrigo D. Maria Magalhães, da Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso.

Após uma escuridão imensa, que parecia não ter fim, a luz, embora ainda trémula, já permite visionar outras tonalidades onde o azul sobressai. São as mulheres de azul e este era o mote e o tom para a 8ª edição da semana da Interculturalidade, que decorreu até ao final de abril na estação de metro da Casa da Música, no Porto.

O trabalho fotográfico captado pela objetiva de Ana Alvarenga, jurista da casa abrigo e entusiasta da arte fotográfica nas horas livres, retrata “os sonhos, as forças e emoções mais positivas, através do azul sereno, da imensidão do mar e da esperança”, refere Maria João Fernandes, diretora da casa abrigo.

Para lá dos dias negros que estas onze mulheres, ainda institucionalizadas, vivenciaram, a ideia é que elas se possam posicionar na vida de uma forma mais colorida, agarrando uma infinidade de projetos para reconstruir novos voos. “Estão ainda em fase de reorganização, cada uma numa fase diferente deste processo de autonomização que a pandemia atrasou”. A oferta de emprego nas empresas diminuiu e outras estão ainda a reorganizar-se na retoma de atividade pós confinamento”, explica Maria João Fernandes.

A sessão fotográfica estendeu-se por dois dias. No primeiro, foram tiradas as fotografias e transformadas em negativo. No segundo, decorreu o processo de cianotipia – técnica de impressão fotográfica do seculo XIX escolhida para efetuar este trabalho. “Foi improvisado um estúdio na casa abrigo e foram as mulheres a conduzir o processo até à imagem final”, conta Ana Alvarenga, acrescentando tratar-se de “uma experiência incrível”.

Para as fotografias, cada uma das utentes escolheu um elemento que caracterizasse o momento vivido e a sua situação em particular. “Elas pensaram muito bem como se queriam representar. Os elementos dizem algo sobre elas. Uma senhora escolheu para a sua representação folhas Ginkgo Biloba - uma árvore que pode viver mais de mil anos e são concebidas para serem quase imortais. Escolher esta carga simbólica é muito interessante. Outra quis fazer-se acompanhar de flores a sair das mãos como se fossem borboletas; outra escolheu um algarismo que representava o número de filhos e houve também quem escolhesse penas para simbolizar asas”, revela Ana Alvarenga.

À medida que o processo se encaminhava para o final, o medo, a vergonha e o preconceito começavam a ser postos de lado, aparecendo a mudança de cor da fotografia que, simbolicamente, representa uma inversão da sua vida numa lógica positiva. “Agora, estas mulheres olham-se de uma forma diferente, veem-se bonitas e a sua autoimagem deixa de ser desvalorizada, sentindo-se mais motivadas com este seu testemunho”, assegura a fotógrafa.

Maria João Rodrigues reforça que, após um “processo violento”, esta exposição mostra uma parte estética do belo, devolvendo grande entusiamo às utentes da casa abrigo. Esta mudança é exigente para a mulher, mas deve ser encarada como uma nova vida que começará na maior parte dos casos, sem retaguarda familiar, acompanhadas pelos seus filhos num processo solitário”, lembra.

Esta mostra junta imagens subtis, bonitas e únicas, transportando muita força a estas mulheres que têm algo a dizer, uma voz que se levanta apesar das dificuldades do seu projecto de vida. Há uma história revelada e mudanças que se conseguem fazer.

Em funcionamento desde 2004, a Casa Abrigo, acolhe, em regime temporário, mulheres acompanhadas ou não dos seus filhos menores que tenham sido vítimas de violência doméstica. O trabalho desenvolvido pela instituição é multidisciplinar assentando a sua intervenção na orientação dos seus direitos e de as apoiar a nível de apoios sociais. Com capacidade para 25 utentes, esta valência proporciona um reforço das competências individuais e sociais, de modo a preparar as vítimas para a reintegração social com base num novo e renovado projeto de vida.

Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves