Em junho de 2020, a situação pandémica em Portugal parecia controlada fora da região de Lisboa e Vale do Tejo. Aí, precisamente, nasceu a proposta para aquele que viria a ser o Bairros Saudáveis, um programa público, de natureza participativa, que procurava melhorar as “condições de saúde, bem-estar e qualidade de vida em territórios vulneráveis localizados em Portugal continental”, como se pode ler no site oficial. Ao todo, dez Misericórdias viram aprovadas as suas candidaturas, com projetos a ser desenvolvidos em cinco eixos (saúde, social, económico, ambiental e urbanístico) e sempre mediante lógicas de parceria.

Em Coruche e Figueiró dos Vinhos, foi na requalificação de moradias que se focaram os projetos, incidindo sobre zonas onde as casas tinham muitas deficiências de conforto e comodidade. O Bairro Nossa Senhora do Castelo, em Coruche, “foi um bairro de casas pequeninas, construídas por beneméritos”, conta Carlos Potier, coordenador administrativo e financeiro da instituição. Com o programa Bairros Saudáveis surgiu uma oportunidade de desenvolver um projeto com a dimensão apropriada às necessidades do bairro, onde “as casas são antigas e têm uma estrutura fraca”.

Em Figueiró dos Vinhos, o projeto ‘Casas do Bairro… Com Dign(IDADE)’ procurou melhorar as condições de seis casas com 40 anos de existência do Bairro S. João Batista, promovendo a inclusão social a partir deste trabalho. Jaime Miranda, responsável pelos serviços administrativos da Santa Casa, diz haver “uma relação próxima e bastante saudável” com a Câmara Municipal, o que encaixou na perfeição para o plano concebido, em que “foi tudo acompanhado nesta parceria”.

Numa abordagem um pouco diferente, a Misericórdia de Azinhaga assentou o seu projeto num edifício de grande valor patrimonial, o ‘Salão Sol das Lezírias’, para recuperar o topo deste antigo salão de arquitetura rural, construído em 1572. A par da requalificação do espaço foi também possível dinamizar um programa de ocupação de tempos livres para a população jovem, desenvolver espetáculos dirigidos à comunidade, organizar exposições de fotografia e pintura e divulgar os trabalhos de artesãos da localidade, de forma a apelar ao contacto entre toda a comunidade.

Aquilo que este programa também destaca é como a força das comunidades assenta naquilo que já têm e que escapa a orçamentos: as pessoas. Marco de Canaveses mostrou como se pode ‘Incluir para Melhorar’, através de atividades no domicílio para promover maior qualidade de vida a idosos e familiares, através de artes performativas e reeducação comportamental.

Na Covilhã, o projeto também se debruçou sobre a população sénior, com o projeto ‘Melhor Idade’ para ajudar a combater os constrangimentos da pandemia para a população envelhecida da cidade.

Outra característica comum a muitos destes projetos é a sua capacidade para ter uma abordagem em várias frentes: requalificar edifícios e dinamizar pessoas; promover um envelhecimento ativo e estimular a juventude; desenvolver ações de educação ambiental e intervir no espaço público. Os projetos das Misericórdias de Seixal e Cascais, por exemplo, são casos muito ricos na sua capacidade de ter esta abordagem relevante em múltiplos eixos.

O ‘Green Mind Green Adroana’, freguesia de Alcabideche, em Cascais, combinou atividades de cultivo em hortas, requalificação de prédios, campanhas de sensibilização para diminuir o lixo no espaço público e reaproveitar materiais para construir peças de vestuário e outros artigos, assim como realizar um festival aquando da Festa da Comunidade, para dar a visibilidade a todas as iniciativas realizadas e celebrar o projeto com a confraternização de toda a comunidade.

Convívio, atuação, social, ambiente: um possível acrónimo de casa. Para a Misericórdia de Lamego, casa é ‘comunidade, afetos, sonhos, ambições’ e no seu projeto propuseram-se a construir essa casa juntos. A intervenção junto da comunidade do Bairro da Quinta de Santo António serviu para requalificar quatro blocos do bairro onde habitam 121 pessoas num esforço de fortalecer os laços das relações entre os residentes no bairro e a comunidade local da área em volta.

Dinamizar a comunidade, principalmente com uma nova iniciativa, pode ser um desafio. Em Esposende, o projeto ‘Semear Afetos’ sentiu precisamente essa dificuldade. Ao pegar também num dos pilares fundamentais daquilo que é uma comunidade – os afetos –, aliaram a isso uma série de atividades que tiveram sempre ao centro o objetivo de proporcionar uma melhor qualidade de vida à população residente na zona sul de Esposende.

Nas palavras de Pauline Caseira, dinamizadora do projeto, “a comunidade é sempre mais difícil de mobilizar”, especialmente quando as iniciativas são recentes e, por isso, desconhecidas. O impedimento mais significativo está ligado a este prazo final definido de cada projeto, o que quer dizer que, mesmo atingindo os objetivos propostos, ficam sempre aquém quando se propõem a fazer mudanças profundas. “Em apenas um ano, nós não conseguimos garantir que ambientalmente esteja tudo perfeito ou em termos sociais ou psicológicos, porque realmente não está”, reforça a técnica, para quem “não é tão simples implementar um projeto apenas de um ano e conseguir atingir os objetivos todos”.

A propósito da continuidade, o Governo prorrogou, em reunião de Conselho de Ministros no dia 22 de dezembro, o prazo de conclusão do programa Bairros Saudáveis até 30 de abril, sendo já o terceiro prolongamento da vigência deste instrumento. O objetivo, segundo site institucional, é “permitir aos projetos e à coordenação nacional concluir as tarefas que faltam para fechar o programa com sucesso".

Voz das Misericórdias, Duarte Ferreira