Um utente do lar de idosos e uma artesã estão juntos numa iniciativa que tirou do papel e deu corpo a bonecos coloridos e originais.

A história que agora contamos tem como cenário a Santa Casa da Misericórdia de Sines e como personagens principais, Cláudia Clemente e Alexandre Cândido. Várias personagens secundárias, os ‘Bonecos do Alexandre’, também integram esta narrativa que teve o seu início em 2017, quando Cláudia Clemente, artesã e voluntária na instituição, se inspirou nos desenhos de Alexandre Lopes Cândido, que reside na Misericórdia desde fevereiro de 2005.

Ao longo desses anos, este utente de 75 anos tem dado largas à sua imaginação, criando desenhos muito característicos que ilustram figuras mais ou menos coloridas e de traço semelhante, nas quais sobressaem grandes olhos redondos, vários dentes e corpos tortos. 

À primeira vista dir-se-ia que são monstros, mas quando questionado, Alexandre Cândido explica o que são cada um deles: um lagarto, a Nossa Senhora, uma avioneta, uma árvore, uma lagartixa, ou até mesmo o diabo, entre tantas outras figuras. Grande parte delas ilustram situações do seu passado, do qual fazem parte muitos anos a trabalhar no campo, como pastor, na zona da Abela, no concelho vizinho de Santiago do Cacém. 

Atualmente Alexandre, um homem de estatura baixa, sempre de boina na cabeça e com dificuldade na expressão oral e na locomoção – apoia-se numa bengala – é, para além de tudo isto, um homem solitário que vive para os seus desenhos, não havendo na Misericórdia de Sines quem desconheça a sua arte. 

Quiçá, para entender melhor esta história, importa explicar que a existência de Alexandre Cândido ficou marcada por um episódio que aconteceu, mais ou menos, por volta dos seus três anos. Nessa altura, Alexandre foi atacado por um carneiro que lhe deixou mazelas para o resto da vida. Sem oportunidade de um correto acompanhamento médico, deixou de andar e de falar. Aos poucos foi recuperando, mas não totalmente e, sobretudo a sua expressão oral e o raciocínio, foram as vertentes mais afetadas. 

De acordo com o relato da família, a veia artística de Alexandre desenvolveu-se apenas na Misericórdia, local onde passa todo o tempo livre no seu ‘escritório’ a desenhar. De acordo com Carla Camocho, animadora na instituição, Alexandre “quando não está a comer ou a dormir está a desenhar. Ele elabora dezenas de desenhos por dia”.

O seu escritório fica na Residência Prats, da Misericórdia, junto a um vão de escada, local onde existe uma mesa com várias caixas, revistas, folhas de papel, canetas e lápis, ou seja, todo o material necessário à sua arte. Alexandre faz inúmeros desenhos, grande parte deles oferece e outros guarda consigo. Não gosta particularmente que o importunem, preferindo manter-se à margem de qualquer protagonismo. Mas Cláudia Clemente, quando contactou com esta veia artística de Alexandre Cândido, facilmente vislumbrou aí uma fonte de inspiração. “Há muitos anos que trabalho como artesã. De forma autodidata faço esculturas e outros objetos utilizando papel e cola, a técnica do papel machê. Acho que sou boa a transformar desenhos em esculturas, mas não a desenhar. Admiro quem o saiba fazer e vi nos desenhos do Alexandre um grande potencial, pois são extremamente originais”.

O potencial que Cláudia encontrou nos desenhos de Alexandre levaram-na a dar-lhes forma, construindo esculturas em papel, as quais batizou de BAMIS – Bonecos do Alexandre da Misericórdia de Sines. 

Cláudia já construiu inclusivamente uma escultura, intitulada ‘O mundo do Alexandre’, que concorreu ao Prémio Nacional de Artesanato 2017, promovido pelo IEFP. O prémio não veio para Sines, no entanto fica a experiência, inédita na Misericórdia, e a possibilidade de contemplar a escultura na sede da instituição. 

“Quando pensei na escultura, para concorrermos, a primeira forma que me surgiu foi uma espiral e depois resolvi entrelaçar nela todos os bonecos. Esta escultura representa o mundo do Alexandre”, explica a artesã e voluntária que refere ainda que viu “nestes desenhos a oportunidade de criar uma coleção de figuras extremamente originais, mas, sobretudo, de mostrar o trabalho do Alexandre fora das paredes da instituição”. A participação no Prémio Nacional de Artesanato foi apenas a primeira etapa de um projeto que pode ir longe, mais concretamente até onde for a imaginação de Cláudia e Alexandre. 

Voz das Misericórdias, Joaquim Bernardo