O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vale de Cambra, António Pina Marques, recusa aceitar que a burocracia se sobreponha ao primado da pessoa. O desabafo foi proferido na cerimónia de inauguração do salão multiusos e da escultura da Misericórdia, por ocasião do 70.º aniversário da instituição.

Numa sessão solene que sucedeu a inauguração da escultura da Misericórdia na rotunda da Avenida de Burgães, em Vale de Cambra, Pina Marques não poupou elogios a todos quantos abraçaram a instituição e os projetos ali inaugurados, nas mais diversas formas. Empresários, benfeitores, colaboradores e comunidade em geral. “A nossa gratidão a todos”, agradeceu.

Contudo, e mesmo estando debaixo deste ‘manto’ de apoio coletivo, o provedor sublinha que “é com elevado sentido de responsabilidade e apreensão que os membros dos órgãos sociais vivem os atuais tempos, face às ameaças e aos grandes desafios que os últimos anos trouxeram às instituições. Continuamos sob grande pressão”, confessa.

Para António Pina Marques é urgente que as instituições tenham maior autonomia para trabalhar de forma mais célere e mais económica. Aproveitando a presença de representante do Centro Distrital da Segurança Social de Aveiro, o provedor insistiu no primado da pessoa sobre a burocracia. “Temos pedidos de famílias, hospitais e unidades de cuidados continuados que solicitam um lugar em ERPI. Temos algumas vagas disponíveis, mas estamos proibidos de as utilizar porque o acordo de cooperação atualmente não reflete a nossa capacidade e limita o número de utentes. É imperioso que prevaleça o primado da pessoa, que nestas circunstâncias os centros distritais de Segurança Social tenham o poder de autorizar, ainda que a título provisório, a utilização dos recursos disponíveis no distrito para socorrer as pessoas. O primado da pessoa, depois a burocracia, senão onde está a misericórdia?”, questionou.

Dirigindo-se ao bispo do Porto, D. Manuel Linda, ali presente, acrescentou: “Se temos recursos para fazer um apoio ao domicílio, viramos as costas a quem precisa só porque há um número convencionado que impede? Que se fiscalize, que se verifique a qualidade do serviço, mas que não se deixe sem apoio quem precisa. Se as instituições não respondem, quem responde? D. Manuel Linda, por vezes constatamos que não podemos ir ao encontro do nosso próximo para o socorrer sem corrermos o risco de sermos penalizados, mas por vezes corremos o risco”, concluiu.

A resposta de D. Manuel Linda foi imediata. “Sei bem o que refere. Foi sempre difícil estar no social, mas nos últimos tempos, por motivos que não se compreendem muito bem, esta nossa presença torna-se mais dificultada”. O bispo do Porto reconhece as dificuldades que assolam as mais diversas instituições sociais e não tem medo das palavras: “É preciso dizer que houve, por motivos ideológicos, verdadeiros crimes cometidos contra património, contra orientações, contra protocolos formalizados, tudo isto com fortíssimo prejuízo para os utentes. O prejuízo não é maior porque estas instituições – como as Misericórdias - se desdobram em autênticos milagres”.

Para o bispo do Porto, a ausência de investimento no setor social, como na construção de novos equipamentos, deve-se ao medo em investir. “Há lares cheios e não há investimento em novas estruturas porque há medo de investir. Passou uma ideia para a sociedade de que é muito perigoso investir no social porque o Estado hoje cumpre, mas amanhã pode não cumprir”.

D. Manuel Linda não terminou sem antes louvar a junção de forças entre tecido empresarial, sociedade e autarquia. “É uma alegria ver esta interligação. A Santa Casa sozinha não consegue fazer tudo, mas quando se juntam as mãos em prol do bem comum, então este milagre junto dos mais débeis torna-se uma realidade visível”, elogiou.

As intervenções decorreram depois da inauguração da escultura da Misericórdia, na rotunda da Avenida de Burgães. Da autoria do escultor José António Nobre, a escultura apresenta-se como uma obra moderna e esteticamente comunicativa. Dos detalhes – a estrela, as mãos, a criança e o idoso – resulta uma conjugação feliz de emoções, que sugerem movimento, transmitem sentimentos e que exaltam a missão social da instituição. Nas palavras de António Pina Marques, esta será para sempre uma obra de arte de referência e um apelo à prática das obras de misericórdia nos cuidados com o próximo.

Além da escultura, foi também inaugurado um salão multiusos. Com o novo espaço, o provedor acredita que, uma vez mais, o primado da pessoa está a ser valorizado. A nova valência proporciona proximidade, promove inclusão, abre portas à comunidade. Dá mais qualidade e mais conforto. O salão multiusos da Santa Casa da Misericórdia de Vale de Cambra será um espaço para cultura, convívio, fisioterapia, festas e atividades com crianças e famílias. Um espaço disponível em permanência para toda a comunidade.

Recorde-se que a Misericórdia de Vale de Cambra apoia diariamente cerca de 700 pessoas, contando para o efeito com 180 trabalhadores.

Voz das Misericórdias, Vera Campos