A Misericórdia de Alpedrinha é a guardiã, desde os anos 60 do século passado, dos últimos móveis de embutidos da vila, doados pela família Parente Pinto que ali abriu uma oficina de marcenaria.

Detentora de um património único no país, pelo menos em quantidade e diversidade, a Misericórdia decidiu mostrar as 30 peças à comunidade criando a Casa Museu Parente Pinto, no rés-do-chão do edifício que a família também deixou à instituição. 

“Foi herança do pai e do avô de Parente Pinto que trabalhavam na arte. Os móveis eram feitos em Alpedrinha e vendidos em Lisboa onde a família tinha uma loja”, explica o provedor da Misericórdia, Carlos Bragança. O jeito para a arte está na família pelo menos desde o século XIX uma vez que o avô do benemérito, José Joaquim dos Santos Pinto Delgado, era entalhador da Casa Real no reinado de D. Carlos. “Em Alpedrinha chamavam-lhe o Pinta Ratos porque dizem que era capaz de pintar um rato a fugir”.

Hoje, há apenas um artesão em Alpedrinha, Joaquim Rosa, que conhece a técnica, mas que faz poucas peças porque não compensa. “Dão muito trabalho, são necessárias várias espécies de madeira, muita mão-de-obra, muita paciência e muito saber, e por isso são muito caros, por exemplo um guarda-joias de 20 centímetros de comprimento e 10 centímetros de profundidade pode custar 500 euros e as pessoas não dão o devido valor.”

À primeira vista os desenhos parecem pinturas, mas na verdade estamos perante um puzzle de milhares de pedacinhos de madeira, desde madeiras exóticas a nobres, como a cerejeira, o bambu, o pau preto ou o castanho, que são todos colados como uma cola especial, uma vez que não se nota nem com o toque. 
Os segredos da arte são muitos, “alguns foram levados para a cova pelo último fazedor de embutidos, empregado da família Parente Pinto”, outros são conhecidos do próprio provedor que os revela enquanto abre e fecha, repetidamente, a gaveta de uma cómoda. “Por exemplo, as madeiras eram trabalhadas só depois de três a quatro anos de apanharem sol e chuva, quando já não davam nada de si, é por isso que ainda hoje abrimos as gavetas e parecem novas.”

Mas a joia da coroa está no Palácio do Picadeiro, juntamente com mais quatro móveis de embutidos que a Misericórdia cedeu para uma exposição permanente num dos monumentos mais visitados de Alpedrinha que dedicou uma sala a esta arte tão típica da vila. Trata-se de um aparador com os desenhos embutidos de seis dos 10 cantos dos Lusíadas, onde se pode encontrar o canto da Ilha dos Amores, do Adamastor ou a morte de Inês de Castro, dependendo do lado de onde se observa a obra prima. É um móvel único, “Parente Pinto deixou expresso que na sua oficina não podia ser feita mais nenhuma obra com aqueles motivos.” 

A curto prazo, ainda durante este ano, a coleção vai estar de novo reunida no salão de chá da Estalagem de S. Jorge, propriedade da Misericórdia, que a vai recuperar para ali instalar todas as peças. “O salão precisa apenas de uma pequena recuperação, a partir daí, como fica perto da Misericórdia de Alpedrinha, estará mais acessível ao público.” 

Hoje a sala é visitável por marcação e vêm muitos grupos, até de escolas, para verem sobretudo os móveis de embutidos, mas não só. Há outras peças, doadas pela mesma família, que ali podem ser apreciadas. Para lá chegar é preciso olhar para um velho espelho que, como nos filmes, se abre como uma porta colocando a descoberto uma segunda sala de móveis com motivos orientais em madrepérola. 

Os enormes jarrões, de mais de um metro de altura, com motivos chineses, as cadeiras em sola, os relógios, os candeeiros, as estatuetas e outros elementos decorativos, que faziam parte da coleção da mesma família, completam a decoração da sala que parece ser retirada de um palácio.


Voz das Misericórdias, Paula Brito