O dia começou cedo para os participantes do seminário “Arquivos das Misericórdias – Organizar o passado para servir o futuro”. Depois de uma manhã dedicada às boas prática na gestão, conservação e divulgação dos acervos documentais, foi tempo de rumar ao arquivo histórico da Santa Casa de Lisboa e dar início à visita guiada que nos iria levar ainda até ao Museu e Igreja de São Roque.

“Dizem que nas instalações de São Roque, se houver um terramoto, as zonas mais seguras são onde está o depósito do arquivo. Por isso, se houvesse um terramoto, agora estávamos num dos lugares mais seguros”. Foi assim que Francisco D’Orey, diretor do arquivo histórico da Misericórdia de Lisboa, deu início à visita onde o antigo ganha nova vida através das intervenções de restauro, preservação e conservação.  

O primeiro grupo avançou. A curiosidade de ver na prática tudo o que aprenderam durante a manhã estava estampada em cada rosto. Aqui existem circuitos de circulação diferentes para investigadores, funcionários e documentação, que é toda expurgada antes de ir para o arquivo. 

Entrámos pelo circuito dos investigadores. Uma sala pequena de teto baixo, adornada por cacifos e cabos elétricos em calhas de ferro. Ao reparar no espanto dos visitantes, Francisco D’Orey apressa-se a dar uma explicação. “A tubagem elétrica está toda colocada por fora para ser mais fácil a resolução de problemas”. 

Aqui já funcionou o hospital infantil e toda a zona de saúde, farmácia e laboratórios “que tinham de ter um pé direito alto, mas era muito grande para nós e conseguimos dividir o espaço em dois andares”, contou o diretor do arquivo. Na realidade, continuou, “o depósito de arquivo também não deve ter alturas muito grandes para ser fácil tirar e pôr a documentação”. 

Uns passos à frente, uma porta corta-fogo barra-nos a entrada. Temos de ter autorização para seguir. Estamos na sala de leitura, onde os investigadores podem consultar o espólio arquivístico da Santa Casa. Antes de avançarmos vemos alguns documentos restaurados, como um bilhete de lotaria e sinais de expostos. 

Subimos dois degraus e estamos na sala em que os técnicos fazem a descrição dos documentos. Estão a trabalhar sinais de expostos, que não são mais do que pequenos bilhetes manuscritos acompanhados de objetos, como têxteis, medalhas e até mexas de cabelo, deixados junto dos expostos, ou seja, das crianças entregues à instituição. A Misericórdia de Lisboa tem cerca de 87 mil. 

Seguimos para o gabinete de restauro. À nossa espera está Carolina Capucho, técnica de conservação e restauro. A primeira intervenção é feita nos depósitos onde têm de manter a higienização, assim como os valores recomendados de temperatura e humidade do ar para que “os documentos não sofram com estas variações”. 

Muitas vezes é preciso fazer intervenções nos documentos, como é o caso de alguns sinais de expostos. “Alguns porque se encontram em pior estado de conservação e outros que ainda estão bons, mas que pelo seu valor sentimental ou porque trazem alguns objetos especiais, metal e tecidos, põem em causa o resto do conjunto”, referiu a técnica. 

Antes do restauro, o documento passa por uma limpeza mecânica e uma avaliação do que é preciso e possível fazer. Carolina Capucho diz que o “princípio básico do restauro” é “mexer o menos possível no objeto”. Relembrando que muitas vezes a única coisa a fazer “é limpeza, uma caixa conservativa e diminuir ao máximo a consulta do documento”. O restauro só surge quando o documento tem uma lacuna ou um buraco. “Aí sim é feito o preenchimento com papeis e colas próprias e reforço com papel fininho” de todo o documento, depois é planificado (colocado sob pesos) e feita uma caixa de acondicionamento e está pronto para voltar para o arquivo. 

Todo este processo, diz Carolina aos atentos visitantes, é “dispendioso, moroso, mas muito gratificante”. 

Seguimos para o Museu de São Roque, um dos primeiros museus de arte a ser criado em Portugal, em 1905. Ao longo dos corredores e salas que abrigam retratos, pinturas, relicários, arte oriental, paramentos, bandeiras da Misericórdia, esculturas, entre outros, é visível que também aqui a máxima de “mínima intervenção no restauro” é seguida. 

Sem nos darmos conta, estamos na Igreja de São Roque. O templo é composto por um altar-mor e por oito capelas mandadas construir pelo povo, por irmandades e uma por D. João V. Os visitantes são arrebatados pela grandiosidade da arte barroca. “Estas capelas eram a bíblia do povo”, atira José Abílio Coelho, coordenador do arquivo histórico da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso, que participava na visita.  

A viagem pela história de São Roque termina e tanto ainda havia para ver, mas a promessa ficou: havemos de voltar.

Voz das Misericórdias, Sara Pires Alves