É na vila de Arraiolos, terra conhecida pelos tapetes bordados à mão e pelo castelo de arquitetura circular, que se pode encontrar um conjunto azulejar setecentista com representações das obras de misericórdia espirituais e corporais.

Situada em pleno centro histórico, num pequeno largo, a igreja da Misericórdia de Arraiolos é uma referência do estilo e gosto vigente no Portugal de setecentos. 

“Este monumento é dos mais visitados da vila, é uma igreja que já tem muita história e que se encontra muito bem conservada. Depois, tem algo que chama a atenção de todos os que visitam Arraiolos, os painéis de azulejo que revestem a nave e o cruzeiro”, afirmou o provedor da Santa Casa de Arraiolos, Luís Chinelo. 

Mas recuemos no tempo de modo a perceber um pouco de como começou a história da Misericórdia em Arraiolos. 

A vila alentejana, no início do século XVI, tinha o desejo de que se fundasse uma Misericórdia. Porém, só em 1524, junto do bacharel e ouvidor da Casa de Bragança, os arraiolenses fizeram o pedido oficial que logo foi aceite. A 6 de abril desse mesmo ano foi fundada a Misericórdia de Arraiolos. 

Como no início não existia sede onde a mesa se pudesse reunir, foi utilizado o Hospital do Espírito Santo, que veio a ser integrado na irmandade e que hoje é o Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos. 

Só em 1585 se iniciou a construção da igreja, tendo sido determinante o apoio financeiro prestado por D. Teodósio II, Duque de Bragança e Conde de Arraiolos, que ainda disponibilizou artistas que para ele trabalhavam. “As obras duraram vários anos. Do ponto de vista arquitetónico, ficou totalmente terminado no início do século XVII”, afirmou o historiador, Rui Lobo.

Entretanto no século XVIII, o edifício sofreu algumas intervenções. O exterior contou com trabalhos de estuque da fachada e o interior foi atualizado de modo a inserir a nova linguagem artística barroca com aplicação da talha dourada e introdução do azulejo. 

Ao entrar no edifício religioso pode ver-se uma variedade de património móvel como pintura, escultura e mobiliário sacro. Mas o que mais se destaca é o revestimento de azulejos azuis e brancos dos alçados laterais da nave, das paredes fundeiras e dos alçados do falso transepto, que exibem a data de 1753. 

“O conjunto azulejar já foi atribuído a vários autores, mas segundo os maiores especialistas em azulejaria em Portugal seria da autoria de Policarpo de Oliveira Bernardes”, sublinhou o historiador, Rui Lobo.

Os painéis contam com a designação da obra representada, com letras maiúsculas, relacionando assim as imagens com as palavras, ou seja, juntando o visível e o legível, de modo a tornar clara a mensagem que se pretendia passar.
Em todos os painéis, os gestos e os olhares das personagens foram estudados de maneira a conduzir o olhar de quem observa para a zona onde se encontra quem dá e quem recebe. 

E receber é o que a igreja faz, pois quando se encontra de portas abertas são muitos os curiosos que a visitam. Alguns aproveitam para fazer as suas orações, outros caminham ao longo da nave, olham para todos os pormenores, fotografam e saem com rasgados elogios. 

“Já tinha ouvido falar, mas ainda não tinha tido oportunidade de visitar. É de facto uma igreja muito bonita. Fiquei surpreendido pois não é muito grande, mas interiormente tem uma enorme riqueza. Outro aspeto que notei foi o bom estado de conservação em que se encontra”, disse José Correia, que deu um pulinho até ao Alentejo para conhecer melhor a região.

A vila espera que no futuro possa mostrar diariamente este “bordado” que reveste as paredes interiores da igreja da Misericórdia. “É dispendioso, mas é nossa intenção que o edifício se mantenha aberto por um período mais alargado e nesse sentido estão a ser feitos alguns contactos”, garantiu Luís Chinelo, provedor da Santa Casa de Arraiolos. Por agora, a igreja abre as suas portas na época de verão e no período de eventos.


Voz das Misericórdias, Ana Machado