A tradição e a inovação deram as mãos com a elaboração de renda de bilros aplicada aos ornamentos das imagens da procissão do Senhor dos Passos.

Luísa Chagas tem 81 anos e umas mãos de fada para tecer renda de bilros. Cristina Leitão é arquiteta e nunca se aventurou neste labor tradicional, ex-libris do artesanato de Peniche. Desafiadas por Ademar Marques que, há vários anos, está ligado à organização da procissão do Senhor dos Passos, promovida pela Misericórdia de Atouguia da Baleia, as duas juntaram a tradição e a inovação. Dessa união, resultaram vários trabalhos em renda de bilros, aplicados nos paramentos das imagens que, no passado dia 18, saíram à rua para mais uma procissão.

Ademar Marques conta que tudo começou há cerca de seis anos, quando Luísa Chagas se ofereceu para fazer um manto em bilros para a imagem de Nossa Senhora das Dores. “Foi a primeira experiência que fizemos de aplicação desta renda, tão tradicional em Peniche, ao tecido”, nota o jurista, que há 18 anos foi desafiado pelo pároco de então para recuperar a tradição do Senhor dos Passos, cuja procissão não se fazia na terra há 30 anos.

O resultado do trabalho de Luísa Chagas foi de tal forma apreciado, que “não se podia ficar por ali”. Ademar Marques começou então a magicar como podia trazer essa arte tão característica do concelho para a procissão. Para tal, juntou um outro elemento à equipa, a esposa Cristina Leitão que, com recurso a um programa usado em arquitetura, o autoCad, faz os desenhos da renda.

Cristina Leitão explica que tradicionalmente o desenho para a renda de bilro, o pique “é feito à mão”, copiado depois para um papel milimétrico e picado sobre um cartão. O pique é depois fixado na almofada, onde se armam as linhas. “Nós usamos as novas tecnologias para fazer o desenho”, acrescenta a arquiteta, frisando que o recurso ao autoCad “torna o trabalho mais rápido”. Mas, nota, às vezes, é necessário refazê-lo, porque “nem todos os desenhos dão” para aplicar à renda de bilros. “De tempos a tempos, a D. Luísa manda-os para trás. Diz que não dá, sobretudo quando são elementos com muita curvatura”, refere.

“Às vezes tem de ser. Nem tudo dá para fazer”, alega Luísa Chagas, que aprendeu a arte ainda em criança “a ver outros a fazer”. Teve muitos anos sem praticar, mas, como “quem aprende não esquece”, nos últimos anos voltou aos bilros. E, é ela quem, à medida que se aproxima a procissão, vai espicaçando Cristina Leitão. “Pergunta-me muitas vezes se já fiz os desenhos”, revela a arquiteta. “Pois, faço mais depressa a renda do que os desenhos”, justifica-se a tecedeira, que já perdeu a conta às “muitas horas” dedicadas aos bilros para que a procissão do Senhor dos Passos saia, a cada ano que passa, com uma peça nova ornamentada com esta renda.

A primeira foi a túnica da imagem principal, com a escolha do desenho a recair sobre os cardos, por ser “uma flor associada à paixão de Cristo”, explica Ademar Marques. Fez-se, depois, o pendão e o guião, um trabalho elaborado a várias mãos, no qual participaram várias mulheres da terra. No ano passado, estreou-se o pálio e, na edição deste ano, as frontaleiras do andor que carrega o Senhor dos Passos. A ornamentação dos fatos dos anjinhos que acompanham a procissão e dos paramentos do sacerdote são os desafios que se seguem.

“O facto de todos os anos apresentarmos uma peça nova é também uma forma de criar expectativa e de atrair mais pessoas”, nota Cristina Leitão. Esse aspeto é também sublinhado por Maria Lisete Ramos, provedora da instituição, que reconhece que a procissão “tem ganho outro brilho” com este trabalho.

Elogiando as “mãos extraordinárias, o empenho e a dedicação da D. Luísa, que é um elemento-chave” no processo, a provedora realça também a “generosidade” das pessoas que colaboram na iniciativa, através do seu trabalho e da oferta de tecidos. “A contribuição de todos tem enriquecido bastante o espólio da Misericórdia”, reconhece a responsável, sublinhando que a procissão “é um trabalho de muita gente”, incluindo elementos da filarmónica, junta de freguesia e agrupamento de escuteiros de Atouguia da Baleia.

 

 

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva