“Tirando alguns frasquinhos – mas poucos – que nos foram doados [por um antigo farmacêutico], o resto pertencia tudo ao hospital.", conta Conceição Mestre, da Santa Casa da Misericórdia de Beja.

Durante séculos foram muitos os que nasceram no Hospital Grande de Nossa Senhora da Piedade, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Beja e situado no centro histórico da cidade alentejana, com a torre de menagem do castelo (a maior de Portugal) a fazer-lhe “guarda de honra”. 

Apesar de estar fechado desde 1970, quando foi inaugurado o Hospital Distrital de Beja, a memória daquelas paredes continua bem viva entre os bejenses. Daí ser recorrente ouvir entre os seus visitantes exclamações como “Eu nasci aqui”, “A minha mãe esteve aqui internada” ou “O meu avô foi aqui operado”.

Mandado construir por D. Manuel I, futuro rei de Portugal e na altura terceiro duque de Beja, no final do século XV, o hospital da Misericórdia faz parte do património coletivo de Beja. Um (grande) pedaço de história da cidade que continua bem presente sempre que se abrem as portas do seu núcleo museológico, que dá a conhecer o espólio da farmácia do antigo hospital e não só.

A visita até pode ser breve, mas não deixa de ser fascinante. Na sala de entrada deparamo-nos logo com um consultório médico à moda antiga. Iluminado pela luz natural vertida por um grande janelão, podemos admirar entre aquelas quatro paredes um aparelho de raio-X do século XIX ou vários estranhos instrumentos que serviam para medir os graus de miopia e estigmatismo. Quando comparados com o que vemos hoje nas clínicas e nos hospitais do país apercebemo-nos num ápice da grande evolução técnica e tecnológica da medicina ao longo dos tempos.

Mas há mais. Nas paredes caiadas de branco jazem as fotografias de alguns dos nomes maiores da medicina que serviram no hospital da Misericórdia de Beja: Henriques Pinheiro (o médico que em 1954 autopsiou Catarina Eufémia), Horácio Flores, António Covas Lima, Arlindo Freixo ou Correia Maltez. Ao lado uma grande placa a assinalar o “Pavilhão Electro-Terápico Miguel Fernandes”, um dos maiores beneméritos do hospital.

Atravessamos a porta interior e chegamos a uma nova sala, mais comprida. Eis a sala do boticário, onde eram preparados os antigos medicamentos. Ao centro, no balcão de mármore de um largo móvel de madeira escura, encontramos uma balança de precisão para medir pequenas quantidades e outra balança mais convencional. Também um almofariz em ferro para juntar componentes e ainda um aparelho para fazer supositórios artesanais ou ampolas vaginais. 

Atrás, nas compridas prateleiras de um armário de parede, e em frente, nos vetustos móveis de madeira, há ingredientes para todo o tipo de maleitas depositados em pequenos frascos de vidro e em latas de vários tamanhos. Pomada de alcatrão ou a bem conhecida vaselina para problemas cutâneos. Pomada canforada para aliviar complicações respiratórias. Mas também conserva de rosas, fosfato de sódio, carvão vegetal, ruibarbo, tintura de guaiaco ou de jalapa, poção de Todd, alcoolatura de acónito, ceroto de espermaceti, estoraque líquido, unguento basílico, bálsamo d’arceu ou os mais comuns “saes de frutos”.

“Tirando alguns frasquinhos – mas poucos – que nos foram doados [por um antigo farmacêutico], o resto pertencia tudo ao hospital. Inclusivamente os aparelhos que aqui encontramos”, conta Conceição Mestre, da Santa Casa da Misericórdia de Beja, ao VM.

De acordo com esta responsável, há mais de três anos que o núcleo museológico do hospital da Misericórdia de Beja está a aberto ao público todos os dias. As entradas são gratuitas e as visitas podem ser feitas de manhã, das 9h00 às 13h00, ou de tarde, entre as 14h00 e as 18h00. O certo é que são muitos, portugueses e estrangeiros, os que cruzam a pequena porta da antiga farmácia para conhecer de perto este legado da história da medicina (e da cidade). “Temos mesmo muitas, muitas visitas”, assegura Conceição Mestre. 

Por isso mesmo, a instituição conta manter este espaço museológico em funcionamento. “Queremos, pelo menos, mantê-lo como está. Alargar não sei, pois o espaço também não é muito. Mas manter sim”, diz Conceição Mestre, sem dúvidas em identificar aquela que é a maior mais-valia do núcleo museológico: “Ele mostra a importância que o hospital teve para Beja”.


Voz das Misericórdias, Carlos Pinto