Prestes a celebrar os dois anos de vida depois da última grande remodelação, o Palácio do Raio, que passou a albergar o Centro Interpretativo das Memórias da Misericórdia de Braga (CIMMB), afirma-se cada vez mais não só como uma atração turística da cidade, mas também como um polo dinamizador de cultura, estudo e investigação.

O espaço tem sido palco de debate sobre trabalhos de pesquisadores e académicos ligados a múltiplas instituições. O mês de setembro teve uma agenda intensa que incluiu lançamentos de livros e a realização de um colóquio denominado “Universos femininos da Diáspora Sefardita (séculos XVI-XVIII)”.

O seminário decorreu durante todo o último dia 7 e pretendeu debruçar-se sobre as migrações desencadeadas pela expulsão dos judeus da península Ibérica a partir de fins do século XV e seguintes, altura em que se agudizou a perseguição perpetrada pela inquisição contra os “cristãos-novos”. O objetivo principal do evento foi “dar rostos” a esta história, mas no feminino. 

Organizado pelo provedor da Misericórdia de Braga, Bernardo Reis, pela professora associada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Fátima Reis, e pela professora auxiliar do Departamento de História da Universidade do Minho, Marta Lobo de Araújo, contou ainda com a colaboração de investigadores da Cátedra de Estudos Sefarditas "Alberto Benveniste".

No fim dos trabalhos houve ainda lugar para o lançamento do livro “As sete obras de misericórdia corporais nas Santas Casas de Misericórdia (séculos XVI / XVIII)”, coordenado também por Marta Lobo. A apresentação da obra ficou a cargo do professor Domingo Gonzalez Lopo, da Universidade de Santiago de Compostela.

Na sua comunicação, Lopo fez questão de comentar individualmente todos os capítulos do livro, cada qual dedicado a uma das obras corporais de misericórdia.

A propósito dos capítulos dedicados às obras “dar de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede”, ambos da autoria de Maria Antónia Lopes, Lopo salientou ter havido tradições que se estenderam até finais do século XX nas Misericórdias, como os conhecidos “cortejos de oferendas”. 
Sobre “vestir os nus”, o professor explicou que esta obra era muitas vezes exercida em conjunto com a assistência aos doentes, pois não raro os pacientes que chegavam aos hospitais das Misericórdias trajavam vestimentas que eram descritas como “vestido de trapos”. Destacou também a curiosa origem das roupas, doadas geralmente em festas santas aos necessitados. Além das aquisições, havia também muitas doações testamentárias transmitidas diretamente aos pobres ou vendidas para geração de fundos. 

Ainda no dia anterior, o Palácio do Raio foi o palco de lançamento de outra obra, a biografia do atual provedor da Misericórdia de Braga, Bernardo Reis, cuja rica trajetória, com enlaces por África até aos dias atuais na cidade dos arcebispos, ficou imortalizada por intermédio do trabalho também conduzido pelas professoras Marta Lobo e Alexandra Esteves. 

Bernardo Reis salienta a importância de todo o trabalho que vem sendo desenvolvido: “A cultura é um eixo orientador da atividade das Santas Casas e enquadra-se no âmbito das obras de misericórdia, traduzindo a sua atividade em prol dos mais desprotegidos e desfavorecidos, assumindo-se [o CIMMB] não só como um espaço turístico, mas também como um espaço de divulgação de estudos científicos, através da realização de conferências e renovação de parcerias. Por isso, é importante para nós sedimentar parcerias e criar sinergias ao nível da cultura, assumindo também a função de sensibilização de públicos para a preservação, recuperação, estudo e divulgação do património histórico material e imaterial da cidade e dos vários agentes que constituem a sua história”.

Voz das Misericórdias, Alexandre Rocha