Misericórdia de Caldas da Rainha juntou parceiros para criar uma coleção de joias que visa promover o bordado tradicional da cidade

Reza a lenda que, vendo a rainha despojada de todas as suas joias, por as ter entregue para ajudar os pobres e construir o hospital termal, o povo de Caldas da Rainha pôs mãos à obra e fez um manto com bordados que recriavam o tesouro oferecido por D. Leonor, para que a monarca pudesse desfilar no cortejo real pela cidade.

Mais de 500 anos depois, a Misericórdia juntou-se a vários parceiros locais para "devolver as joias à rainha". Como? Através da criação de uma coleção de joias designada "Heart of a Queen" que tem como principal objetivo promover e valorizar o bordado de Caldas da Rainha, que, segundo a lenda, teve origem naquele manto oferecido a D. Leonor. "A inspiração pode vir de qualquer pessoa, mas quando se sente a história de uma grande rainha e dos laços que ela criou com o seu povo, percebemos que a lenda tem de continuar viva", pode ler-se no folheto que apresenta a coleção.

Gabriela Galeão, psicóloga e coordenadora técnica do Contrato Local de Desenvolvimento Social 3G (CLDS 3G) da Misericórdia, conta que o projeto começou a ser pensado há cerca de dois anos, no âmbito de um processo de "revitalização" do bordado de Caldas da Rainha. "Um dos eixos do CLDS 3G passa pela criação e promoção de circuitos de produtos locais e endógenos, potenciando a sua divulgação e comercialização. Ora, os bordados encaixam na perfeição neste objetivo", explica a técnica.

Apresentada publicamente durante o encerramento do projeto CLDS 3G, a coleção de joias é o resultado de um trabalho de parceria que juntou a Santa Casa da Misericórdia, a joalheira Sofia Tregeira e a Associação de Bordados das Caldas da Rainha. O projeto contou ainda com a colaboração da Câmara Municipal, do designer e criativo André Sentieiro e do fotógrafo Miguel Lopes, ambos com ligações à cidade. Este é, aliás, um ponto comum aos outros intervenientes, que, como frisa Gabriela Galeão, "têm todos raízes no concelho e participaram voluntariamente no projeto".

Nascida em Caldas da Rainha, mas radicada na zona do Porto, Sofia Tregeira não esconde o "orgulho" por ter sido escolhida para o projeto e por poder "contribuir para divulgar, o mais possível," o bordado da sua cidade, um produto tradicional que ela própria, admite, não conhecia bem. "A minha mãe chegou a fazer, mas eu nunca aprendi. Agora fiquei curiosa e vou querer experimentar", diz, revelando que a principal preocupação neste seu processo criativo foi manter-se "fiel ao trabalho do bordado".

Sofia Tregeira reconhece que a tarefa não foi fácil, porque "cada peça de joalharia tem sempre complexidade", mas acabou por ser facilitada por já ter uma coleção em que usou as mesmas técnicas. "Parte do estudo estava feito, mas foi preciso todo um processo para perceber como conseguiria chegar ao resultado final. Queria que se olhasse para a peça e que, quem os conheça, identifique os pontos do bordado. Acho que isso foi conseguido."

Neste seu trabalho, a joalheira contou com ajuda da Associação de Bordados, que disponibilizou os bordados a partir dos quais concebeu as joias. A coleção reúne 21 peças em prata banhada a ouro, cada uma com um ponto de bordado associado, sendo que algumas têm apontamentos de pérola, para "ir buscar a cor do linho". As peças são ainda acompanhadas de um saco, que tem bordado o ponto equivalente ao da joia, e de um pequeno folheto que conta a história desta tradição secular.

Durante o mês de dezembro, a coleção esteve exposta na Ermida de São Sebastião, em Caldas da Rainha, e pretende-se que no futuro esteja patente no Posto de Turismo das Caldas da Rainha. As peças irão também entrar no circuito de venda, com a comercialização a ser feita pela joalheira. "O nosso papel está cumprido. Lançámos o desafio, juntámos os parceiros e acompanhámos o processo até ao lançamento da coleção. O que esperamos é que as joias sejam um instrumento de divulgação do bordado. É esse o grande objetivo", afirma Gabriela Galeão, que acredita que o projeto irá contribuir para que este produto tradicional seja "mais conhecido e desperte mais interesse".

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva