A imagem de Santiago de Compostela sobressai no conjunto do núcleo museológico de arte sacra da Misericórdia de Castelo Branco.

As cores vivas da túnica do apóstolo, descalço, segurando a bíblia numa mão e o cajado com a cabaça na outra, mostram uma peça da Escola de Flandres, do século XVII. Recuperada em 1997, ano em que esteve na exposição dos 500 anos dos descobrimentos no Palácio de Belém, Santiago de Compostela é não só a peça mais conhecida, como a que representa a imagem do núcleo museológico da Santa Casa da Misericórdia de Castelo Branco, exclusivamente de arte sacra, desde 1984.

O espólio, de 250 peças, incluindo as mais pequenas como relicários, paramentos e alfaias religiosas, está dividido em três salas. A primeira é a estatuária em madeira de onde se destaca o Santiago de Compostela, com a vieira no chapéu, símbolo utilizado ainda hoje pelos peregrinos que percorrem os Caminhos de Santiago.

Na segunda sala, dos Cristos, sobressaem dois cristos em marfim, dos séculos XVI e XVII. Mas a peça que mais chama a atenção do visitante é a da imagem de um Cristo indo-português “com as feições típicas, olhos em bico e pele escura”, descreve Isabel Carreira, responsável pelo arquivo histórico e núcleo museológico da misericórdia albicastrense.

Na terceira e última sala encontram-se os mais variados objetos do culto religioso, desde? as matracas que saem à rua na procissão do Enterro do Senhor até às imagens dos três bispos? de Castelo Branco, todos provedores da Santa Casa. Das bandeiras da Misericórdia, telas de dupla face que também saem nas procissões normalmente com os quadros da paixão, destaca-se, a título de curiosidade, “O beijo de Judas” que ocupa o primeiro plano. Em segundo plano o exército de Napoleão, numa alusão às Invasões Francesas, pese embora os séculos que separam os dois episódios.

As salvas de prata e terços, a enorme tela que esteve durante muitos anos a tapar o altar-mor da igreja, a fábrica de hóstias, os paramentos com mais de 100 anos e uma umbela, ou chapéu, que servia para proteger a pessoa mais importante da procissão, normalmente o bispo, completam a visita às três salas que antigamente foram celas do convento, atual edifício da Santa Casa da Misericórdia de Castelo Branco.

Anexada ao convento, que foi da Ordem dos Franciscanos até 1528, está a igreja Nossa Senhora da Graça, que fica a dever o nome à Ordem dos Gracianos que o ocupou até à extinção das ordens religiosas, em 1834. Do estilo manuelino já só restam os arcos em pedra e o pórtico da entrada. “Em 500 anos já muito se perdeu”, refere Isabel Carreira.

Em 2014 foi completamente remodelada e hoje, além de abrir ao culto e por ocasiões e celebrações especiais, a igreja Nossa Senhora da Graça faz parte do roteiro de uma visita ao núcleo de arte sacra. O altar original, com a imagem de Nossa Senhora das Graças, e os altares laterais de Santa Rita de Cássia e Santa Teresinha, estilo barroco, resgatados de uma igreja do Estreito, aldeia do concelho de Castelo Branco, destacam-se no templo.

A ligar a igreja ao núcleo está a sacristia e é nesta sala, que é a porta de entrada para ambos, que se ergue uma estante de coro que servia, no altar, para suportar os missais e livros de cântico gregoriano, no tempo em que as missas eram em latim e os padres estavam de costas para os fiéis. Os padres não tinham que se virar, era a estante que ia rodando, mostrando, ora a bíblia, ora o livro de cânticos. Os que ainda existem estão abertos e em exposição, destes, o mais antigo é um livro de cântico gregoriano, em latim arcaico, datado do século XVII.

A Misericórdia de Castelo Branco está a preparar uma candidatura ao Fundo Rainha Dona Leonor para dar ao núcleo “um carácter mais operacional e visitável, em permanência, e integrá-lo na rede de museus da cidade”, refere o vice-provedor, João Goulão.

A ideia, com esta remodelação, é selecionar as peças mais valiosas e importantes que estarão em destaque na exposição permanente e, em simultâneo, promover a sua investigação histórica, já que a origem, na maior parte dos casos, é desconhecida. “Muitas das peças são de doações e heranças, mas esse é um trabalho que ainda está por fazer.”

Enquanto não tem horário de museu em permanência, o núcleo de arte sacra da Misericórdia de Castelo Branco pode ser visitado todos os dias úteis das 9h às 17h30m, todas as visitas são guiadas e, mediante agendamento, é possível abrir as portas do núcleo a grupos ao fim de semana.

Voz das Misericórdias, Paula Brito