Para Francisco Lopes Figueira, provedor, a rainha D. Leonor continua a ser uma presença estruturante. “É a grande inspiradora do fenómeno das Misericórdias”, destaca. “Foi ela a ideóloga deste conceito, que se espalhou por todo o país e pelos territórios onde os portugueses chegaram nos séculos XV e XVI.” Em Évora, essa ligação é particularmente forte: “Ela quis ser fundadora da Misericórdia de Évora. É um dos primeiros nomes inscritos no livro autêntico e original da instituição.” Durante a sessão, esse documento histórico foi mostrado aos convidados, reforçando simbolicamente a continuidade do legado da rainha.
A exposição, aberta ao público na igreja/museu da instituição eborense, reflete essa ligação entre tradição e contemporaneidade. “A Misericórdia de Évora tem 526 anos e só chegou até aqui porque se soube adaptar”, afirma Lopes Figueira. A adaptação envolve não só a missão social, “a missão fundamental”, mas também o património. Ao longo dos séculos, muito se perdeu e a recente aquisição de 15 telas alusivas às obras de misericórdia visa contrariar essa tendência: “Queremos que o nosso património evolua e se fortaleça.”
Para o historiador José Calado, a importância de D. Leonor não se limita à fundação formal. “Nada na história acontece por acaso”, sublinha, explicando que a rainha mantinha uma relação antiga e próxima com Évora. Acompanhando D. João II, esteve diversas vezes na cidade, que acolheu cortes reais e figuras influentes. Após a morte prematura do seu filho em 1491, Évora serviu-lhe também como refúgio, onde encontrou apoio junto do Cabido, conventos e da Câmara Municipal. Documentos históricos, incluindo dez cartas enviadas ao município, comprovam essa ligação afetiva e política.
A fundação da Misericórdia local reflete a importância estratégica e social da cidade: cerca de 600 irmãos fundadores estiveram envolvidos, muitos deles futuros membros de Misericórdias noutros concelhos. “A elite estava em Évora, com a família real presente, e D. Leonor participou ativamente da solenidade de fundação”, explica o historiador.
Nesta sessão, os participantes assistiram a uma verdadeira aula de História promovida pelo investigador da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, João Simões, que evocou o legado da rainha D. Leonor.
Da mesma instituição, Ângela Guerra, administradora, reforçou esta perspetiva: “O legado da rainha é de compaixão, solidariedade e serviço ao próximo.” Apesar das diferenças entre instituições, acrescenta, “todas partilham a mesma raiz e o mesmo espírito de missão.”
A responsável destacou ainda o projeto itinerante de documentos históricos da Misericórdia de Lisboa, um “convite à reflexão e à valorização da nossa memória coletiva”, e falou do Fundo Rainha D. Leonor, recentemente reativado, que apoiará mais de trinta candidaturas na área do património, fortalecendo a coesão territorial entre Misericórdias e garantindo a continuidade do legado da rainha.
Voz das Misericórdias, Rosário Silva