A tradição voltou a ganhar vida nas ruas de Monforte, no distrito de Portalegre, com a recriação do cortejo de oferendas, numa iniciativa que resgatou memórias centenárias da comunidade e reafirmou o papel da Misericórdia como instituição de apoio social. Este ano, a mobilização partiu de um grupo de jovens que, de forma espontânea, decidiu organizar esta manifestação social e cultural, em parceria com a Santa Casa e integrado no programa dos festejos em honra de Nossa Senhora do Parto, organizados pela instituição desde que há memória.

Tal como acontecia no passado, o cortejo de oferendas voltou a percorrer as principais artérias da vila, sempre acompanhado pelas vozes dos participantes que entoavam músicas populares, que serviram não só para animar a caminhada, mas também de alerta para os moradores da sua passagem. À porta das casas, famílias aguardavam para contribuir com o que podiam: alimentos, produtos de higiene ou donativos em dinheiro.

Crianças, jovens e adultos participaram lado a lado, demonstrando que a tradição pode ser adaptada às novas gerações. Até mesmo cavaleiros espontâneos se associaram, reforçando o caráter comunitário do evento.

Como explica ao VM o provedor, José Rasquinho, os registos históricos mais antigos da procissão em honra de Nossa Senhora do Parto remontam a 1909, no entanto, o cortejo de oferendas, como hoje é conhecido, ganhou expressão sobretudo no pós-guerra, havendo registos que apontam para as décadas de 1940 e 1950. Desde então, o evento assumiu uma dupla função: reforçar a fé e tradição popular e, ao mesmo tempo, garantir bens destinados às obras de caridade. José Rasquinho recorda que ao longo dos anos, o cortejo conheceu períodos de interrupção e de renascimento. Nos anos 80, foi revitalizado pelo Rancho Folclórico de Monforte, teve uma nova edição no final da década de 90, mas parou novamente, até regressar em 2007 e 2008. Agora, em 2023, retorna mais uma vez pelas mãos da própria comunidade, fator que o provedor sublinha e que é motivo de orgulho para a instituição, por demostrar que o esforço que tem sido feito de aproximar a comunidade da Misericórdia está a “dar frutos”.

Sem esconder a emoção de poder voltar a testemunhar esta recriação, José Rasquinho sublinha que o mais importante deste cortejo “não é o valor ou os bens doados, mas sim o espírito social e humano que conseguimos reacender”.

José Rasquinho refere ainda que “para muitos monfortenses, a realização do cortejo é motivo de emoção”, nos quais se inclui, uma vez que “quando era criança também integrei algumas das recriações que foram feitas. Por isso, voltar a ver esta manifestação cultural é uma satisfação enorme, porque exige união e trabalho e tem ainda mais valor por ter sido da comunidade que partiu a ideia. A Misericórdia só pode estar muito agradecida”, afirma.

O cortejo de oferendas manteve a sua essência solidária, embora as necessidades da instituição e a sua organização se tenha alterado ao longo dos anos. “Antigamente, era uma necessidade vital, muitos agricultores ofereciam parte da sua produção. Hoje, os tempos mudaram, mas a simbologia permanece”, destacou o provedor.

Presentemente, a instituição apoia 110 utentes distribuídos em três valências, além de prestar auxílio à casa-abrigo da Cruz Vermelha, e, todos os dias, mais de uma centena de refeições saem das suas cozinhas. O cortejo, portanto, funciona como um gesto concreto de apoio, mas também como forma de sensibilizar a população para a importância de participar, com donativos ou voluntariado.

José Rasquinho considera que é de salientar o envolvimento das gerações mais novas nestas iniciativas, não só porque os aproxima das causas sociais, mas também os desperta para o voluntariado e para o papel que podem vir a ter em instituições como estas. “Vários adolescentes ligados à paróquia já têm colaborado com a Misericórdia, visitando idosos, ajudando em celebrações e até participando de momentos de convívio aos fins de semana. O que nós desejamos é continuar a ter esta proximidade com as novas gerações, para que desenvolvam sensibilidade para estas áreas”, realça o provedor.

Voz das Misericórdias, Patrícia Leitão