A Misericórdia de Montemor-o-Velho é uma das mais antigas do país. Celebrou em 1998, com outras doze instituições similares, o seu pentacentenário. Ou seja, tem agora 520 anos e “faz parte da primeira fornada das Misericórdias”, como afirma o atual provedor, Manuel Marques Carraco dos Reis, um dinâmico defensor do património cultural montemorense.

Foi em Montemor-o-Velho que nasceu o aventureiro e explorador português Fernão Mendes Pinto e, anteriormente, também o fidalgo Diogo de Azambuja, que fundou um convento no alvorecer do século XVI, a que pertence a Igreja de Santa Maria dos Anjos e cuja construção assinala o fim de um período intenso de perigos e de lutas.

Esta igreja constitui um magnífico monumento da arquitetura do Renascimento em Portugal, onde se encontra o túmulo (notável pelo seu valor artístico e histórico) do homem que, como nos lembra o provedor Manuel Carraco dos Reis, participou em diversas batalhas e conquistas e que comandou a expedição que iniciou a construção da fortaleza de São Jorge da Mina, considerada como o primeiro interposto comercial português da África Ocidental. No interior do mesmo templo, encontra-se igualmente a campa de D. Margarida de Melo Perestrelo, sobrinha-neta do cronista-mor do Reino, Rui de Pina.

A exemplo de um conjunto de edifícios históricos de Montemor-o-Velho, a Igreja da Misericórdia (classificada como de interesse público em 1950) denota a influência direta do escultor e arquiteto, de origem francesa, João de Ruão.

Esta igreja (da primeira metade do século XVI) possui um “grupo escultórico da Lamentação, em pedra de Ançã”. Trata-se, como sublinha Manuel Carraco dos Reis, de um conjunto com bastante interesse, devido à dimensão estética das peças integradas na composição do retábulo.

Outra peça escultórica a ter em conta no património histórico e cultural da Misericórdia de Montemor-o-Velho é a imagem de São Pedro, atribuída ao mesmo artista, que segundo a tradição, recorda o provedor, “terá vivido com uma mulher da Ereira, num antigo torreão, uma vez que João de Ruão tinha duas jeiras de terra próximo dessa casa de planta simples”.

Na Misericórdia montemorense “existe uma bandeira antiga, de madeira, que esteve em exposição em Lisboa e que foi restaurada pela intervenção benemérita da Santa Casa de Lisboa”, frisa Manuel Carraco dos Reis, adiantando haver “ainda mais algumas peças e documentos com uns séculos” que merecem um olhar atento dos estudiosos e especialistas, bem como um adequado apoio técnico, para se constituir um verdadeiro projeto museográfico.

No entender do provedor, que também presidiu à edilidade e à Assembleia Municipal de Montemor-o-Velho, só através de um conjunto de intervenções técnicas necessárias à apresentação e à boa conservação das obras e objetos (sobretudo, paramentos e alfaias religiosas) do acervo da Misericórdia local será possível um futuro museu, considerando o “núcleo museológico” de que é detentora.

Apesar de as cheias de 2001 terem destruído “parte da documentação antiga”, Manuel Carraco dos Reis mostrou-nos, com algum regozijo, alguns velhos volumes de registo e de assentamento (um deles com assinatura régia). Numa das salas da Misericórdia, estão reunidas várias peças patrimoniais de grande valor, destacando-se o antigo retábulo da capela do hospital, que é um políptico arcaizante descoberto por Vergílio Correia, em 1911. O mesmo estudioso atribui a autoria deste retábulo (composto por painéis fixos e móveis, os quais formam um conjunto subordinado sobre um mesmo tema religioso) a Manuel Vicente (pintor régio também com oficina em Coimbra) e datou-o entre 1520 e 1530, ao tempo de D. Manuel I e de D. João III.

Voz das Misericórdias, Vitalino José Santos